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domingo, 13 de abril de 2025

Axiomas na Vida

"A vida segundo axiomas (ou quase isso…)"

Outro dia, estava parado embaixo de uma árvore que parecia mais sábia do que eu, comecei a pensar em como algumas coisas na vida parecem inegociáveis. Sabe quando você pensa: “isso é certo demais para ser errado”? Tipo o fato de que quem ama, cuida. Ou que a gente não consegue enganar a própria consciência por muito tempo. São ideias que não precisam de justificativa — simplesmente se sustentam. E aí me ocorreu: será que carregamos axiomas na vida do mesmo jeito que a matemática carrega os seus?

Axiomas são aquelas verdades que não precisam de prova, que servem como ponto de partida para tudo o que vem depois. Tipo "duas coisas iguais a uma terceira são iguais entre si". Bonito, né? Mas o que aconteceria se a gente aplicasse essa lógica à existência? E mais: será que nossas certezas mais profundas não funcionam também como um tipo de axioma íntimo, pessoal, construído entre tropeços, cafés frios e silêncios longos demais?

Axiomas existenciais

Na vida, os axiomas não vêm em latim nem em livros encadernados. Vêm em forma de sensação, cicatriz ou intuição. Um deles pode ser: “se algo te tira a paz, é caro demais”. Ou ainda: “quem muito se adapta, às vezes desaparece”. Não são verdades universais como as da lógica, mas têm a mesma função: organizar o caos. Ajudam a construir sentido, como pilares invisíveis que sustentam nossas decisões mais profundas.

Aliás, talvez o grande diferencial entre os axiomas da lógica e os da vida esteja na origem: os primeiros são dados; os segundos, vividos.

Quando os axiomas colapsam

Mas nem tudo é estático. Às vezes, a vida desafia os próprios princípios que usamos para vivê-la. O que era um axioma emocional — “eu jamais perdoaria isso” — pode ruir diante do tempo, do amor ou da maturidade. E aí vem o abalo: se até meu próprio alicerce é instável, o que resta? É aí que a filosofia entra, não pra dar respostas prontas, mas pra nos lembrar que viver é, também, revisar nossos axiomas.

O filósofo Paul Ricoeur dizia que a identidade é narrativa — ou seja, a gente se conta, se reconstrói. E nesse processo, talvez nossos "axiomas da alma" também mudem de roupa, tomem outro café, escolham outro caminho.

O axioma do inacabamento

Se eu tivesse que propor um axioma para a vida, um só, seria esse: tudo o que vive está em processo. É o princípio da impermanência com roupa de domingo. Ele permite que a gente erre, recomece, mude de ideia, ame de novo, cresça. Ele aceita que sejamos paradoxos ambulantes, frágeis e ao mesmo tempo convictos — como alguém que diz “dessa água não beberei” segurando o copo meio cheio.

Concluindo (ou quase)

Talvez viver seja isso: escolher com cuidado os axiomas que nos habitam, sabendo que eles podem se transformar. E quando mudam, não significa que falhamos, mas que avançamos uma casa nesse estranho tabuleiro da existência.

E você? Quais são os seus axiomas secretos? Aqueles que guiam sua vida, mesmo que ninguém tenha te ensinado? Pensar sobre isso não vai resolver tudo. Mas pode deixar o próximo café com gosto de filosofia. E isso, cá entre nós, já é muita coisa.


quinta-feira, 3 de abril de 2025

Construir Pontes

A ponte mais importante que construí na vida não era de concreto nem de aço. Era invisível, mas mais sólida que qualquer estrutura física. Foi uma ponte entre duas pessoas que, por muito tempo, ficaram separadas por um abismo de orgulho, mal-entendidos e silêncios prolongados. Talvez todos já tenhamos vivido isso: aquele momento em que uma simples palavra ou gesto cria uma conexão que parecia impossível. Mas o que significa realmente "construir pontes"?

A Arte de Criar Conexões

Construir pontes é um ato de superação. Pode ser entre indivíduos, culturas, ideias ou até mesmo dentro de nós mesmos. O conceito carrega um sentido de travessia e de encontro, mas também de esforço e intencionalidade. Diferente dos muros, que se erguem para proteger, as pontes são estruturas que desafiam barreiras naturais e artificiais, permitindo trânsito e troca.

Na filosofia, há paralelos com a dialética de Hegel, que via o desenvolvimento do pensamento como uma síntese entre opostos. Uma ponte é exatamente isso: a síntese entre duas margens que, sem ela, permaneceriam isoladas. Também podemos recorrer a Martin Buber, que distinguia as relações "Eu-Tu" das "Eu-Isso". Construir pontes é transformar relações objetificadas em relações autênticas, onde o outro deixa de ser um estranho e se torna um interlocutor genuíno.

O Desafio da Travessia

Nem todas as pontes são fáceis de construir. Muitas vezes, exigem renúncia, paciência e até um certo risco. No mundo contemporâneo, cada vez mais fragmentado, onde discursos polarizados moldam a percepção do outro como inimigo, a metáfora da ponte se torna mais relevante do que nunca. Como dialogar com alguém que pensa diferente sem cair na armadilha da hostilidade? Como construir pontes quando tudo parece ruínas?

Talvez a resposta esteja na escuta ativa. O filósofo francês Paul Ricoeur falava sobre a importância da hermenêutica, a arte de interpretar não apenas textos, mas também o outro. Compreender o outro exige interpretar sua história, sua dor e suas razões. Somente assim se pode encontrar um ponto de conexão legítimo.

Pontes Interiores

Às vezes, a construção mais difícil é aquela que fazemos dentro de nós. Como conectar nossa razão com nossa emoção? Nossa memória com nosso presente? Nossa identidade com nossa constante mudança? O ser humano é, por natureza, uma coleção de margens que precisam de pontes.

A tradição budista ensina que a mente é como um rio: flui, mas pode ser atravessada se soubermos construir as passagens certas. A meditação, a reflexão e a aceitação são formas de engenharia interior que nos ajudam a transpor nossas próprias contradições e a fazer as pazes com quem somos.

Ser um Engenheiro de Pontes

Construir pontes não é um trabalho exclusivo de engenheiros civis. Todos somos, de alguma forma, arquitetos de conexões. Seja nos pequenos gestos do cotidiano, no esforço de compreender o outro ou na busca por integrar nossas partes fragmentadas, a travessia é sempre um movimento ativo.

Em um mundo que parece mais interessado em erguer muros, talvez o verdadeiro ato de rebeldia seja tornar-se um construtor de pontes. Afinal, é na travessia que nos tornamos mais humanos.