As teorias sobre o Estado sempre me pareceram algo distante da vida cotidiana. Quando estamos no meio do trânsito ou esperando na fila do banco, quem está pensando sobre o que sustenta esse grande monstro abstrato chamado "Estado"? Mas se pensarmos bem, o Estado está em todo lugar: no imposto que pagamos sem perceber, na escola pública onde estudamos, e até mesmo na polícia que passa pela rua. Como um espectro invisível, ele molda nossas vidas de formas que nem sempre são claras. Mas afinal, o que é o Estado? Por que ele existe? E por que nos submetemos às suas regras?
As teorias do Estado surgiram justamente para
tentar explicar essas perguntas. Diferentes pensadores, ao longo da história,
buscaram entender como o poder se organiza, se mantém e influencia nossas
vidas. E não é um assunto simples. Na verdade, é tão complexo que nem todos os
filósofos concordam sobre sua essência ou função. Recordo dos acirrados debates
sobre o tema na academia, o IPA enquanto mantinha o curso de Filosofia era uma
fonte maravilhosa de conhecimento e oportunidade impar para abordagens de temas
como este tão importante para o empoderamento crítico. Então, vamos lá.
A Visão de Thomas Hobbes: O Estado como Guardião da
Ordem
Uma das teorias mais conhecidas é a de Thomas
Hobbes, que, em seu livro Leviatã, comparou o Estado a um monstro gigantesco
que deve manter a ordem entre os seres humanos, naturalmente egoístas e
caóticos. Para Hobbes, o "estado de natureza" — a condição na qual
viveríamos sem um governo — seria um verdadeiro inferno, uma guerra de todos
contra todos. Para evitar esse cenário, os indivíduos cedem parte de sua
liberdade em troca de proteção e ordem, formando assim o contrato social.
Pensando nas situações do cotidiano, é interessante
refletir sobre como essa ideia de Hobbes se manifesta. Quando estamos em uma
briga de trânsito ou presenciamos uma confusão em um bar, sentimos o caos à
espreita. Nesses momentos, entendemos o valor de ter um "Leviatã"
controlando o que poderia se transformar em caos completo. Ainda que não
gostemos da burocracia ou de certas leis, Hobbes diria que o custo de não ter o
Estado seria infinitamente maior.
Jean-Jacques Rousseau e o Estado como Expressão da
Vontade Geral
Mas nem todos os pensadores concordam com Hobbes.
Jean-Jacques Rousseau, por exemplo, tinha uma visão bem diferente. Para ele, o
ser humano no estado de natureza não é um ser agressivo, mas alguém que vive em
harmonia com a natureza. O problema, segundo Rousseau, começa quando surge a
propriedade privada. A partir daí, as desigualdades se intensificam, e o Estado
se torna uma ferramenta de dominação dos ricos sobre os pobres.
Rousseau acreditava que o Estado deveria ser uma
expressão da "vontade geral" — ou seja, das vontades coletivas dos
cidadãos. Assim, a verdadeira liberdade só poderia existir em uma sociedade
onde as leis fossem criadas pelo povo, para o povo. É uma ideia que ecoa em
momentos de eleição, quando sentimos que, de alguma forma, estamos moldando as
leis que nos regem. Rousseau via na democracia participativa o caminho para
superar as desigualdades e viver em harmonia.
Marx e o Estado como Instrumento de Opressão
Karl Marx, por outro lado, vê o Estado como um
instrumento de opressão de classe. Para ele, o Estado não é neutro; é uma
máquina controlada pelos ricos e poderosos para manter a exploração dos
trabalhadores. Sob a ótica marxista, o Estado não serve ao interesse comum, mas
apenas perpetua o poder dos que controlam os meios de produção.
Essa crítica marxista é palpável quando olhamos
para a concentração de renda e poder em vários países. Por exemplo, quando
vemos um grande conglomerado ser beneficiado por isenções fiscais ou por
legislações que enfraquecem os direitos dos trabalhadores, a teoria de Marx
parece ganhar forma. O Estado, para ele, seria desnecessário em uma sociedade
sem classes, já que o governo existe para proteger os interesses das elites
dominantes.
Max Weber e o Monopólio da Violência
Max Weber trouxe uma definição interessante e até
prática do Estado, ao dizer que ele é a entidade que detém o "monopólio
legítimo da violência." Em outras palavras, o Estado é o único que pode,
legalmente, usar a força para manter a ordem. Isso se manifesta claramente
quando pensamos na polícia, nas forças armadas e no sistema judiciário. A ideia
de Weber ajuda a explicar por que aceitamos que o Estado tenha esse poder — é a
forma que encontramos para evitar que a violência se espalhe indiscriminadamente.
No cotidiano, isso aparece quando aceitamos, por
exemplo, uma multa de trânsito ou o controle das fronteiras. Sabemos que, no
fundo, se alguém tentar desrespeitar essas regras, o Estado tem o poder de usar
a força para garantir sua aplicação. Para Weber, essa é uma das características
fundamentais que define o que é ou não é um Estado.
Entre o Leviatã e o Bem Comum
Seja como um monstro necessário, um reflexo da vontade coletiva ou um instrumento de opressão, o Estado permanece como uma peça-chave nas nossas vidas. Ele está sempre presente, mesmo quando não o percebemos diretamente. De certa forma, ele nos dá uma estrutura para existir em sociedade, mas também pode ser uma força que nos limita. O que essas teorias nos mostram é que o Estado não é uma entidade estática, mas um reflexo das tensões, desejos e medos de uma sociedade. E talvez seja isso que torne o tema tão fascinante: estamos sempre renegociando o nosso contrato com ele, seja nas pequenas escolhas diárias ou nas grandes decisões políticas.