Um Mate com o Objetivismo e o Subjetivismo...
Outro
dia, esperando a água do chimarrão esquentar, me peguei encarando a chaleira. O
vapor subia em espirais meio caóticas e pensei: “Será que ele existe assim
mesmo ou só está assim porque eu estou vendo desse jeito?”. A chaleira
continuou lá, alheia à minha filosofia de cozinha, mas o pensamento ficou. A
vida, afinal, parece balançar entre duas grandes vontades: a de que as coisas
sejam como são (objetivamente) e a de que sejam como sentimos que são
(subjetivamente). Esse é o cabo de guerra silencioso entre objetivismo e
subjetivismo.
A
razão e o eu: um encontro (nem sempre cordial)
O
objetivismo quer o mundo como ele é, sem firulas. A verdade está lá
fora, como dizia Arquimedes antes de descobrir a alavanca e a física clássica
inteira. Os objetivistas acreditam que há um modo certo de olhar as coisas, um
ponto fixo. Já o subjetivismo sussurra outra coisa: que a verdade passa
pelo nosso olhar, pelas nossas entranhas emocionais, pela forma como o mundo
nos atravessa.
O
primeiro problema é que ninguém acorda pela manhã como um puro objetivista.
Ninguém diz: “Hoje me sinto objetivamente bem”. A gente diz: “Acordei meio
estranho, o tempo tá pesado, parece que o mundo tá fora do lugar”. A verdade,
mesmo que externa, parece sempre entrar pela nossa porta interna.
O
copo meio cheio (ou meio vazio?) — depende
Vamos
a um exemplo doméstico. Você e um amigo assistem ao mesmo filme. Um acha
brilhante, o outro acha arrastado. O objetivista tentaria medir o ritmo,
analisar a edição, calcular a densidade dramática. O subjetivista diria: “O
filme me tocou, e isso basta”. A crítica de cinema vive dessa disputa: quantas
estrelas cabem entre o gosto pessoal e os critérios técnicos?
Mas
e se os dois tiverem razão? E se a realidade for uma espécie de “camada dupla”,
como uma lasanha metafísica — uma camada objetiva de fatos, outra subjetiva de
significados?
Nietzsche,
o árbitro relutante
Nietzsche,
sempre desconfiado das verdades em mármore, nos oferece uma saída ousada: não
existe fato sem interpretação. Para ele, o que chamamos de “realidade” é sempre
uma construção. Ou seja, até mesmo o objetivismo é uma espécie de subjetivismo
disfarçado de jaleco branco.
Mas
isso não quer dizer que tudo seja relativo. Nietzsche não é um libertino
epistemológico. O que ele quer dizer é que a realidade é uma batalha de
interpretações. Algumas vencem, outras murcham. Não porque sejam mais
verdadeiras, mas porque são mais fortes, mais convincentes, mais úteis.
A
busca de um meio do caminho
Hoje,
muitos filósofos preferem falar em intersubjetividade — uma ponte entre
o mundo pessoal e o mundo comum. Não é nem o absoluto frio do objetivismo, nem
o caos solipsista do subjetivismo. É a ideia de que compartilhamos sentidos,
narrativas, significados. A cultura, a linguagem e os valores são construções intersubjetivas:
nem estão lá no mundo puro, nem só dentro da nossa cabeça. Estão entre nós.
A
chaleira da minha cozinha, por exemplo, é um objeto físico, mas também é o
símbolo da pausa, do mate, da memória afetiva. Ela existe em dois mundos: no da
física e no do afeto. O subjetivismo a aquece, o objetivismo a estrutura. E nós
vivemos no intervalo entre essas duas forças.
Olhar
e ser olhado
No
fundo, talvez o maior desafio não seja escolher entre objetivismo ou
subjetivismo, mas aprender a habitar essa tensão. Como quem vê o reflexo
no espelho e, ao mesmo tempo, tenta entender a face que o espelho reflete. A
realidade é um pouco como aquela chaleira: ferve quando a gente não está
olhando, mas parece querer dizer algo quando nos aproximamos.
Talvez
filosofar seja isso: aquecer a água do pensamento até que o vapor forme
perguntas. E então, entre a razão objetiva e o sentimento subjetivo, servir um
mate morno com a dúvida no lugar do açúcar.