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domingo, 6 de abril de 2025

Ensaios do Indizível

Outro dia, no meio de uma conversa aleatória com um amigo que acredita que "tudo tem explicação", me peguei pensando: e quando não tem? E quando a coisa escapa tanto da linguagem, da lógica e até da intuição, que tudo o que nos resta é um silêncio constrangido ou um balbucio filosófico meio envergonhado? A gente vive cercado de certezas práticas, manuais de instrução e tutoriais para tudo. Mas o que fazemos com aquilo que não se pode dizer? Com aquilo que está além da física, da lógica e da experiência direta? Eis aí o terreno escorregadio da metafísica — essa arte (ou obsessão) de tentar expressar o indizível.

A ânsia de nomear o que escapa

Desde os pré-socráticos, passamos tentando capturar o ser com palavras, como se o ser fosse um animal exótico que bastasse descrever para compreender. Parmênides nos dizia que o ser é e o não-ser não é. Simples assim — e ao mesmo tempo, brutalmente enigmático. Mas com o passar dos séculos, a metafísica se tornou um tipo de cartografia do invisível: queríamos desenhar mapas de territórios que nem sequer temos certeza se existem.

A questão é que a metafísica opera numa espécie de contrabando do pensamento: ela tenta contrabandear conceitos que ultrapassam qualquer experiência possível. Fala-se do "absoluto", do "uno", do "transcendente", como se fossem objetos que pudéssemos virar nas mãos. Mas não podemos. Wittgenstein nos alertou no Tractatus: “Sobre aquilo de que não se pode falar, deve-se calar.” O problema é que não conseguimos calar. Queremos desesperadamente dizer.

A linguagem e seus limites

A linguagem é feita para o mundo das cadeiras, dos copos, dos encontros às seis e das dores de cabeça. Ela serve para o cotidiano, para a descrição do que se vê, se toca, se mede. Mas quando tentamos usá-la para falar de "ser-em-si", "causa primeira" ou "nada absoluto", ela começa a ranger, a falhar, a tropeçar nas próprias pernas. É como tentar desenhar um cheiro.

Aqui entra o jogo perigoso da metafísica: ela transforma a impotência da linguagem em discurso autoritário. Ao nomear o inominável, cria sistemas, doutrinas, dogmas. Mas o que ela faz, no fundo, é construir castelos no ar — belos, complexos, sofisticados — mas ainda assim suspensos no vazio.

A ilusão útil (e talvez necessária)

Dizer que a metafísica é ilusória não é dizer que ela é inútil. Como dizia Kant, ela é uma necessidade da razão, mesmo que sem objeto. Ou seja, estamos programados para ultrapassar os limites da experiência. Há em nós uma sede de totalidade, um desejo de saber se há algo antes, depois, por trás, dentro de tudo. Esse desejo não morre mesmo quando nos dizem que não há como satisfazê-lo.

E talvez seja esse o valor mais profundo da metafísica: não como ciência do ser, mas como arte do abismo. Ela nos ensina que há perguntas que não têm resposta, apenas reverberações. Que há experiências que só se vivem, mas nunca se explicam. Que há um "algo mais" que, ainda que nunca possamos compreender, nos move — como uma música que nunca ouvimos inteira, mas da qual não conseguimos esquecer a melodia.

Um filósofo e o silêncio

O pensador brasileiro Vicente Ferreira da Silva escreveu que "toda metafísica verdadeira começa pelo assombro e termina no silêncio". É isso. Não se trata de negar a metafísica, mas de compreender que sua tarefa não é dizer o que é o ser, mas nos colocar diante dele, em estado de escuta, de humildade, de espanto. Não é à toa que os místicos — aqueles que chegaram mais perto do indizível — terminam calando. Ou rindo. Ou chorando.

Concluindo (ou o começo do silêncio)

Talvez o mais inovador a dizer sobre a metafísica seja exatamente isto: que ela fracassa, mas que seu fracasso é revelador. Que ela é impossível, mas necessária. Que ela é ilusória, mas inevitável. E que, no fundo, o maior ato filosófico pode ser admitir que há coisas que só se compreendem quando se desiste de explicá-las. A metafísica, nesse sentido, não é uma resposta, mas um gesto. Um gesto de apontar — com palavras trêmulas — na direção do indizível.

E talvez, só talvez, isso já seja o suficiente.


quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

Impaciência Metafísica

A impaciência, em seu aspecto mais comum, é um traço familiar: o tamborilar de dedos na mesa enquanto esperamos por um elevador, a ansiedade ao olhar para o relógio em uma fila que não anda, ou o desejo ardente de que algo aconteça antes que estejamos prontos para recebê-lo. Mas e quando essa impaciência transcende o cotidiano e toca a alma? Quando não estamos apenas impacientes com a espera de um ônibus, mas com a própria existência? É nesse ponto que nos encontramos diante do que podemos chamar de impaciência metafísica.

A Raiz do Desassossego

A impaciência metafísica surge da frustração diante da impenetrabilidade do real. O filósofo francês Simone Weil certa vez observou que a alma humana anseia por verdade, mas a verdade parece sempre um passo além do alcance, como um horizonte que se distancia à medida que avançamos. Essa sensação pode ser sufocante: queremos respostas definitivas sobre o sentido da vida, a natureza da realidade, o que vem após a morte — e nos deparamos com o silêncio do cosmos.

Essa condição de desassossego é, paradoxalmente, tanto uma maldição quanto uma bênção. Ela nos move adiante, mas também nos consome. Nietzsche, em sua "Vontade de Potência", argumenta que a busca humana pela verdade é, em essência, uma expressão de poder: queremos dominar o desconhecido, torná-lo familiar e confortável. Porém, na esfera metafísica, o domínio é frequentemente impossível. A vida permanece ambígua e, muitas vezes, ininteligível.

O Cotidiano da Impaciência Metafísica

Essa impaciência pode se manifestar de formas sutis e prosaicas. Pense no jovem que escolhe uma carreira esperando preencher um vazio existencial, mas logo se descobre insatisfeito. Ou na pessoa que busca sentido em relacionamentos, consumo ou viagens, mas sente que nada parece "bastar". Na era das redes sociais, a impaciência metafísica se disfarça de urgência: corremos para compartilhar momentos, esperando que, de alguma forma, a validação externa nos dê um vislumbre de significado.

Esperar ou Agir?

A impaciência metafísica também nos coloca diante de um dilema: devemos esperar pacientemente que as respostas venham ou devemos agir, forçando a vida a entregar algum sentido? Para Martin Heidegger, a resposta poderia estar no conceito de "ser-para-a-morte". A consciência de nossa finitude não é algo a ser temido, mas abraçado, pois é justamente ela que confere peso às nossas ações. Heidegger sugere que, em vez de ficarmos paralisados pela espera de uma revelação transcendente, devemos engajar-nos plenamente na vida tal como ela é, mesmo que ela permaneça incompleta e misteriosa.

O Valor do Silêncio e da Contemplação

No entanto, há um contraponto interessante em tradições filosóficas orientais, como o budismo. Para o filósofo Daisetsu Teitaro Suzuki, o estado de impaciência é, na verdade, um obstáculo à compreensão. Em vez de exigir respostas, o praticante zen é convidado a sentar-se em silêncio, contemplando a vacuidade das coisas. A sabedoria, nesse contexto, não é encontrada na resolução de enigmas metafísicos, mas na aceitação da realidade como ela se apresenta.

Um Caminho do Meio

Talvez a resposta à impaciência metafísica resida em um equilíbrio entre o agir e o esperar, entre a busca e a aceitação. Como propôs N. Sri Ram, em sua obra "O Caminho do Discernimento", a verdadeira sabedoria não está em forçar as portas do mistério, mas em aprender a escutá-lo. Ele escreve: “A pressa para alcançar é uma barreira para a visão clara; o discernimento surge no coração que sabe esperar.”

No final, a impaciência metafísica nos lembra de nossa condição humana. Somos seres lançados em um mundo que não compreendemos totalmente, mas cuja beleza está, talvez, justamente no mistério. Assim como uma flor que desabrocha em seu próprio tempo, há coisas na vida que não podem ser apressadas. É ao aprender a viver com esse desassossego que podemos, paradoxalmente, encontrar a paz.