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domingo, 1 de junho de 2025

Superstição e Crença

 

Quando bater na madeira é mais do que um gesto...

Tem gente que nem acredita em nada, mas bate na madeira do mesmo jeito. Só por via das dúvidas. É como se dissesse: “vai que, né?”. No fundo, ninguém quer brincar com o destino, mesmo quando jura que o destino não existe.

No dia a dia, superstição e crença andam lado a lado, tropeçando uma na outra feito gente numa calçada estreita. Uma é aquela velha senhora que leva um galhinho de arruda atrás da orelha. A outra, um jovem de óculos de realidade aumentada que acredita em inteligência artificial como oráculo. Ambas, no fim das contas, estão tentando responder à mesma coisa: como viver num mundo que não se explica todo?

Entre o invisível e o improvável

Superstições são gestos herdados, fragmentos de um saber que não passou pelo crivo da ciência, mas que sobreviveu ao tempo. Elas não prometem verdades, mas oferecem alívio. Já a crença é mais estrutural — é como uma casa onde o sujeito se abriga. Pode ter teto de religião, parede de filosofia, ou chão de misticismo. Às vezes, é uma cabana improvisada; às vezes, uma catedral inteira.

A religião oferece um Deus, um plano, um sentido maior. O misticismo não se preocupa tanto com dogmas, mas com vibrações, energias, ciclos. A fé, por sua vez, pode existir sem nome nem endereço fixo: acreditar que vai dar certo, que existe algo além, que o amor cura — isso já é fé.

E a ciência popular? É aquele remédio de vó que funciona “porque sempre funcionou”, mesmo que nenhum estudo comprove. É o chá de boldo, a canja para gripe, o sabugo de milho para dor de ouvido. Não está nos livros, mas está na boca do povo — e na prática de quem quer sobreviver com o que tem.

A inovação está na pergunta, não na resposta

A filosofia tradicional sempre quis separar razão e crença. Mas e se a gente inovar e perguntar: e se toda crença, superstição ou ciência for apenas formas diferentes de lidar com a ignorância? E se bater na madeira, fazer um gráfico, acender uma vela ou consultar um oráculo forem variações de um mesmo gesto humano — o de procurar sentido onde o mundo parece mudo?

O filósofo Ernst Cassirer dizia que o ser humano é antes de tudo um animal simbólico — a gente não vive só de fatos, vive de significados. O que a superstição e a crença revelam não é ignorância, mas sensibilidade. É a percepção de que há uma camada do real que escapa às fórmulas, mas não escapa ao sentimento.

No fim, acreditar é um ato de imaginação. E talvez seja esse o maior poder humano: preencher com histórias, gestos, rituais e afetos aquilo que a lógica não explica por completo. Afinal, nem tudo que é real precisa ser comprovado; basta ser vivido.

sábado, 17 de maio de 2025

Naturalismo de Quine

A maçã na mesa...

Outro dia, vi uma maçã em cima da mesa e pensei: “Maçã”. Só isso. Não parei para duvidar da existência da fruta nem me perguntei se poderia ser uma ilusão. Minha reação foi natural, automática, sensível e prática: “Maçã”.

Se René Descartes estivesse ao meu lado, talvez perguntasse: “Mas como você sabe que essa maçã é real? E se for um sonho?”. Se fosse David Hume, ele talvez me lembrasse que não temos certeza do que existe fora das nossas impressões. Mas se fosse Quine, ele daria um gole no café e diria:

“Calma. Vamos entender como você chegou a essa crença — do jeito que a ciência faz.”

Porque o naturalismo de Quine é isso: não queremos mais fundações absolutas para o conhecimento, mas sim compreender, com base na ciência, como nosso cérebro constrói o mundo a partir dos estímulos que recebe. Se eu vi a maçã, o que está em jogo não é um argumento lógico para provar que ela existe — mas o modo como meus olhos, minha linguagem, minha cultura e meu cérebro cooperaram para formar a ideia de “maçã”.

Do mundo ao cérebro, do cérebro ao mundo

Segundo Quine, quando recebo um feixe de luz nos olhos e meu cérebro interpreta isso como “fruta”, não há filosofia pura que separe isso da psicologia ou da neurociência. O que há é um sistema inteiro de crenças, hipóteses e hábitos mentais que vão se ajustando à medida que a experiência avança.

Não testamos crenças isoladas, mas todo um “ecossistema de ideias” que vamos carregando e corrigindo. Por isso, a filosofia, para Quine, não está acima da ciência. Está junto dela. E a epistemologia — o estudo do conhecimento — não deve procurar certezas a priori, mas sim acompanhar o que fazemos de fato quando pensamos, aprendemos ou julgamos.

No supermercado com Quine

Fui ao supermercado comprar café. Olhei a prateleira, comparei preços, marcas, descrições e, no fim, escolhi um com “notas de chocolate”. Quais estímulos me levaram a essa escolha? A embalagem vermelha? A palavra “especial”? O cheiro imaginado do café? Quine acharia esse momento fascinante. Ele não perguntaria se foi “certo ou errado”, mas como, biologicamente e culturalmente, esse julgamento aconteceu.

O naturalismo quineano transforma o ato banal de escolher café num microexperimento de como o ser humano pensa. Estamos sempre ajustando nosso conhecimento conforme novas informações aparecem — e isso não precisa de um tribunal lógico para funcionar, mas de observação, de estudo real.

Sem fundações eternas, mas com pés no chão

Quine nos convida a parar de buscar fundamentos inalcançáveis. Em vez disso, ele propõe que a filosofia caminhe com a ciência e olhe para o mundo com olhos atentos, humildes e investigativos.

A maçã na mesa não é um problema filosófico abstrato. É uma oportunidade para entender como funcionamos, como pensamos, como acreditamos.

E, com sorte, ainda dá para comer a maçã no final.

O mundo segundo Quine: um copo d’água e algumas dúvidas

Estava na cozinha, enchendo um copo d’água, quando me peguei pensando: “Que confiança cega a gente tem no mundo, né?”. Abro a torneira, espero que a água saia, tomo sem pensar duas vezes. Ninguém faz um teste de realidade antes de tomar água. A gente age como se o mundo estivesse ali, funcionando.

E é aí que Quine entra de novo, com seu naturalismo na mochila e um olhar desconfiado — não da realidade, mas das perguntas que fazemos sobre ela.

Exemplos cotidianos para entender Quine

No ônibus lotado

Você entra no ônibus, vê alguém com cara conhecida, mas não tem certeza. Seu cérebro começa a comparar, ajustar, buscar padrões. O rosto lembra alguém? A situação é plausível? Quais são as chances de ser a pessoa que você está pensando?

Segundo Quine, esse processo de reconhecimento não exige certezas absolutas, mas probabilidades funcionais, baseadas em um emaranhado de crenças anteriores, percepções atuais e memória. É a mente funcionando como uma pequena “ciência informal”.

A criança que aprende o que é "gato"

Ela ouve a palavra, vê o bicho, associa. Mas também vê um cachorro pequeno e chama de gato. Com o tempo, acerta. A linguagem, para Quine, não nasce do dicionário, mas da interação viva com o mundo. A criança aprende pelo uso, pela repetição, pela correção — como num experimento empírico contínuo.

A superstição do número 13

Mesmo quem não acredita em superstições às vezes evita o número 13. Quine diria que isso é parte do nosso sistema de crenças, que inclui não só ciência e razão, mas também elementos culturais, simbólicos e emocionais, que resistem ao teste da experiência por outros caminhos. O naturalismo não exige que sejamos lógicos o tempo todo, mas que entendamos como realmente funcionamos.

Mas… e as críticas a Quine?

Apesar de seu enorme impacto, o naturalismo de Quine também recebeu críticas. Eis algumas:

- Reduzir a epistemologia à psicologia?

Filósofos como Jaegwon Kim alegam que, ao transformar a epistemologia em um ramo da psicologia, Quine abandona questões normativas importantes — como distinguir boas razões de crenças falsas, ou discutir o que é conhecimento verdadeiro, e não apenas funcional.

- Falta de critério normativo

Se tudo vira um experimento empírico, como saber o que é “melhor” saber? O risco é cair num relativismo prático: o que “funciona” para um grupo pode não funcionar para outro — e a filosofia perde seu papel de julgamento crítico.

- E a lógica? E a ética?

Críticos também dizem que nem todas as áreas da filosofia podem ou devem se submeter ao naturalismo. Como naturalizar discussões éticas? Ou a lógica matemática? Nem tudo cabe num laboratório.

Entre a torneira e o telescópio

Mesmo com as críticas, o legado de Quine é imenso. Ele trouxe a filosofia para perto do mundo, para perto da torneira, do ônibus, do supermercado, da criança e do cientista. Nos ensinou a olhar para a mente humana com os pés no chão — e isso, num mundo cheio de abstrações, já é um gesto filosófico poderoso.

No fim, talvez o naturalismo de Quine não explique tudo. Mas ele nos ajuda a começar pelas perguntas certas:

Como pensamos, de fato? Como lidamos com o mundo sem garantias? E por que acreditamos que há mesmo uma maçã sobre a mesa?

 

Algumas sugestões de leitura:

Da um ponto de vista lógico – Willard Van Orman Quine

A palavra e o objeto – Willard Van Orman Quine

Editora: WMF Martins Fontes 

terça-feira, 7 de janeiro de 2025

Poder do Placebo

Imagine que você toma uma pílula que promete acabar com sua dor de cabeça. Em pouco tempo, a dor desaparece. Mais tarde, você descobre que a pílula era feita apenas de açúcar. O que curou você? Foi o poder da substância ou o poder da crença? O efeito placebo nos coloca frente a uma questão fascinante: até onde nossas convicções podem transformar nossa realidade?

Placebo: Entre a Ciência e a Filosofia

O termo “placebo” vem do latim e significa “eu agradarei”. Na medicina, refere-se a um tratamento sem propriedades terapêuticas reais, mas que pode gerar efeitos positivos porque o paciente acredita em sua eficácia. Embora seja um fenômeno amplamente estudado na ciência, o placebo também é uma janela para explorar as profundezas filosóficas da mente humana. Afinal, o placebo revela um paradoxo: algo que "não é" pode produzir um efeito que "é".

Aqui podemos evocar Friedrich Nietzsche, que argumentava que "as convicções são inimigas mais perigosas da verdade do que as mentiras." O efeito placebo escancara essa afirmação, mostrando como nossas crenças podem engendrar resultados reais, ainda que baseados em uma "mentira benevolente".

A Realidade Percebida e a Realidade Vivida

O placebo nos força a perguntar: o que é mais real, o efeito ou a causa? Quando uma pessoa relata melhora após tomar uma substância inerte, essa melhora é ilusória? Não, porque a experiência vivida da pessoa – menos dor, mais bem-estar – é absolutamente real. Assim, o placebo expõe a fragilidade das fronteiras entre o real e o imaginário.

O filósofo francês Maurice Merleau-Ponty, com sua fenomenologia, oferece uma perspectiva interessante: o corpo não é apenas uma máquina biológica, mas um ser no mundo que interpreta e reage à realidade. Quando acreditamos que algo nos fará bem, nosso corpo "entra no jogo", ajustando-se à narrativa que criamos.

O Placebo no Cotidiano

Fora da medicina, o efeito placebo também permeia nossas vidas. Pense na pessoa que carrega um amuleto da sorte, ou na confiança restaurada por um elogio sincero (ou não tão sincero assim). O que essas situações revelam é que a crença em algo – mesmo que simbólico – pode alterar nosso comportamento e nossa percepção.

Por exemplo, ao iniciar um novo projeto com otimismo, é comum termos mais energia e criatividade, mesmo sem garantias objetivas de sucesso. É como se acreditássemos na "pílula do açúcar" de nossas próprias expectativas, mobilizando forças internas que não seriam acessadas pelo ceticismo.

Uma Ética do Placebo

Se o placebo pode trazer benefícios, surge uma questão ética: é correto enganar alguém para produzir bem-estar? Essa é uma zona nebulosa. Um médico que prescreve um placebo sem informar está manipulando a confiança do paciente, mas também pode estar despertando forças curativas inatas.

O filósofo brasileiro Renato Janine Ribeiro, ao refletir sobre a ética na contemporaneidade, poderia nos ajudar a ponderar essa dualidade. Para ele, a ética deve considerar as consequências dos atos, mas sem perder de vista a integridade do indivíduo. Talvez o placebo só seja eticamente aceitável quando usado de forma transparente e com o consentimento do outro, uma espécie de "mentira acordada".

A Fé que Move Montanhas

O poder do placebo é um lembrete do quanto somos moldados por nossas crenças e narrativas. Ele nos desafia a rever os limites do que entendemos por cura, realidade e verdade. Ao mesmo tempo, nos mostra que, se o corpo é um terreno onde a ciência atua, a mente é o espaço onde a filosofia pode plantar sementes de compreensão mais profunda.

Assim, o placebo nos convida a refletir: se a crença pode curar, o que mais em nossas vidas depende apenas de acreditarmos que é possível?


domingo, 15 de dezembro de 2024

Adiamento e Crença

Adiamento e crença são duas faces de uma mesma moeda que se entrelaçam de maneiras sutis e complexas no cotidiano. Adiar é uma prática comum, muitas vezes resultado de crenças profundamente enraizadas que moldam nossas decisões e ações. Vamos analisar esse tema através de algumas situações do dia a dia, destacando como esses conceitos caminham juntos.

Procrastinação no Trabalho

Imagine uma segunda-feira típica no escritório. Você tem uma apresentação importante na sexta-feira, mas ao invés de começar a prepará-la, passa a manhã respondendo e-mails e organizando sua mesa. A crença de que você "trabalha melhor sob pressão" ou que "ainda tem tempo suficiente" pode estar alimentando essa procrastinação. O adiamento se justifica por essa crença, criando um ciclo vicioso difícil de quebrar.

Vida Pessoal e Metas de Saúde

No âmbito pessoal, considere o exemplo clássico de quem decide começar uma dieta ou um programa de exercícios "na próxima segunda-feira". A crença subjacente aqui pode ser a de que "amanhã será um novo dia" e que as circunstâncias serão mais favoráveis no futuro. Essa mentalidade adia continuamente a ação necessária para alcançar os objetivos de saúde, muitas vezes resultando em frustração e desânimo.

Estudos e Desenvolvimento Pessoal

Estudantes são mestres em procrastinação, muitas vezes adiando a preparação para provas até a noite anterior. A crença de que "ainda há tempo" ou que "o estudo intensivo de última hora será suficiente" leva a adiamentos frequentes. Essa prática, além de aumentar o estresse, pode comprometer a qualidade do aprendizado e os resultados acadêmicos.

Relações Interpessoais

Em relacionamentos, o adiamento pode se manifestar de várias formas. Pense naquelas conversas importantes que muitas vezes adiamos por medo do confronto ou por acreditar que "não é o momento certo". A crença de que as coisas se resolverão por si mesmas ou que "é melhor esperar" pode prolongar conflitos e ressentimentos, afetando negativamente a dinâmica do relacionamento.

Sonhos e Projetos Pessoais

Finalmente, muitos de nós temos sonhos e projetos pessoais que continuamente adiamos. Seja escrever um livro, aprender um novo idioma ou iniciar um negócio, a crença de que "não estamos prontos ainda" ou que "as condições ideais virão no futuro" pode nos paralisar. Esse adiamento constante impede a realização de nossos desejos e o crescimento pessoal.

Adiamento e crença andam de mãos dadas, criando padrões de comportamento que podem ser difíceis de quebrar. Reconhecer essas crenças subjacentes é o primeiro passo para mudar esses hábitos. Ao questionar e reformular nossas crenças, podemos reduzir a procrastinação e tomar ações mais proativas em direção aos nossos objetivos. No fim das contas, o poder de transformar nosso cotidiano está em nossas mãos, e a escolha de agir hoje, ao invés de adiar para amanhã, pode fazer toda a diferença.


sexta-feira, 18 de outubro de 2024

Refutar Crenças

A gente vive cheio de crenças, mesmo que nem sempre perceba. Algumas delas são simples, como acreditar que o café vai te dar um ânimo extra pela manhã. Outras são mais profundas, como aquelas que moldam a nossa visão de mundo, do que é certo ou errado, do que nos faz felizes. Mas o que acontece quando tentamos questionar ou, melhor ainda, refutar essas crenças que parecem tão fundamentais? Será que dá pra convencer alguém de que aquilo que sempre acreditou pode estar errado? Ou será que, no fundo, algumas crenças são inabaláveis? Neste ensaio, vamos explorar o que significa refutar uma crença e até onde isso é possível.

Refutar o elemento fundamental das crenças pode parecer uma tarefa complicada, porque crenças, de modo geral, sustentam muito do que chamamos de realidade. Mas antes de adentrar o que significa "refutar" as crenças, é importante definir o que entendemos por "elemento fundamental das crenças". Isso se refere àquilo que serve como alicerce para a estrutura da crença, o ponto de apoio no qual uma ideia se ergue e se torna significativa para quem a sustenta.

O que são crenças?

As crenças são convicções ou suposições que tomamos como verdadeiras, quer sejam sustentadas por evidências racionais, experiências pessoais ou tradições culturais. Elas formam a base da nossa compreensão do mundo e influenciam a maneira como tomamos decisões. No entanto, nem todas as crenças são baseadas em evidências verificáveis; algumas são, na verdade, sustentadas por confiança ou fé.

Tomemos como exemplo crenças religiosas, que frequentemente dependem de uma narrativa de fé, não de evidências científicas. O elemento fundamental aqui é uma confiança no transcendente, naquilo que não pode ser provado empiricamente. Já crenças científicas são geralmente fundamentadas na observação e repetição de resultados, com seu elemento base sendo a experiência e a experimentação verificável.

Refutar: É possível?

A refutação de uma crença só é possível quando sua estrutura permite um exame crítico. Quando falamos de crenças baseadas em evidências, é mais fácil propor refutações, porque existem parâmetros verificáveis. Se alguém acredita que a Terra é plana, por exemplo, isso pode ser testado e, consequentemente, refutado com base em evidências científicas.

Por outro lado, refutar crenças subjetivas ou espirituais é muito mais difícil, porque elas não dependem de parâmetros objetivos que possam ser medidos ou analisados de maneira convencional. Aqui entramos na famosa citação de Wittgenstein: “Onde não se pode falar, deve-se calar”. Ele reflete sobre os limites da linguagem e da lógica ao lidar com coisas como crenças religiosas ou metafísicas, que escapam ao domínio do que pode ser refutado ou verificado.

O problema da "Verdade"

A questão central ao refutar uma crença é que a própria ideia de “verdade” é frequentemente relativa ao ponto de vista do indivíduo. Aquilo que é verdadeiro para um crente pode ser considerado ilusório para outro. O filósofo francês Michel Foucault, por exemplo, argumentava que a verdade não é algo universal, mas sim o produto de relações de poder e discurso dentro de uma sociedade. Refutar uma crença, nesse sentido, é também desafiar o sistema que a sustenta.

Assim, quando tentamos refutar uma crença fundamental, o que estamos fazendo é, na verdade, desafiando o sistema inteiro de valores, práticas e narrativas que a constroem. Isso não é apenas um ato de negação, mas um ato de subversão da realidade percebida. Quando alguém deixa de acreditar em algo, não está apenas mudando de opinião, mas, de certo modo, alterando sua própria realidade.

A Fé e o Inatacável

Algumas crenças se estabelecem de tal maneira que se tornam inatacáveis, pelo menos para quem as professa. Pense em como a fé é vista por aqueles que a têm: ela transcende o campo do questionamento racional. C. S. Lewis, em Mero Cristianismo, fala sobre como a fé não é só acreditar em algo, mas também persistir nessa crença mesmo quando as emoções ou circunstâncias nos impelem a abandoná-la. A fé, portanto, resiste à refutação porque se coloca além da razão.

Refutando crenças cotidianas

Em contextos mais mundanos, crenças sobre o funcionamento do mundo também podem ser desafiadas. Por exemplo, alguém pode ter a crença de que a felicidade só vem com o sucesso material. Essa crença pode ser refutada a partir de exemplos da vida cotidiana, mostrando que muitas pessoas encontram satisfação em outros aspectos da vida, como em relações pessoais ou na autorrealização.

Aqui, o que estamos refutando é a ideia de que há uma conexão necessária entre riqueza e felicidade. No entanto, para quem sustenta essa crença, pode não ser uma refutação simples, pois toda a sua visão de mundo e suas ações estão ancoradas nessa premissa.

Refutar o elemento fundamental das crenças exige um desafio direto ao sistema que sustenta essas crenças. No caso de crenças baseadas em evidências, esse processo pode ser mais claro e direto. Já no caso de crenças subjetivas, espirituais ou ligadas à fé, a tarefa é muito mais complexa e, talvez, até impossível. O ato de refutar, nesse sentido, não é só um exercício de lógica, mas um enfrentamento da própria realidade que as pessoas constroem para si. E, como tal, a refutação não é um ato de destruição simples, mas sim de questionamento profundo, que mexe com a própria percepção do que é real e do que vale a pena acreditar.