De onde vem o mundo?
Estava
outro dia na fila do pão, dessas que misturam cheiro de fermento com conversa
fiada, quando ouvi uma senhora dizer ao neto: “Tudo isso foi Deus que fez,
meu filho.” O menino respondeu: “Mas e antes de Deus?” Eu sorri com
o canto da boca. Ali, entre o pão francês e o troco contado, surgiu de novo a
pergunta mais antiga e mais angustiante: de onde vem o mundo?
Não
se trata apenas de uma curiosidade cósmica. Essa questão tem unhas que arranham
nossa paz, principalmente nas madrugadas insones ou nas tardes em que o sentido
escorre como areia entre os dedos. Recordo de momentos de admiração ao olhar as
ondas do mar beijando a areia branca, o pensamento naquele embalinho instigaram
a me fazer a pergunta angustiante: De onde vem o mundo? O que havia
antes do tempo, antes do espaço, antes da primeira ideia? Havia algo ou havia o
nada? E, se havia o nada, como é que o nada virou alguma coisa?
A
origem: entre mitos e equações
Desde
os antigos, inventamos narrativas para acalmar esse abismo. Os gregos criaram o
Caos, uma espécie de mistura primitiva sem forma, da qual emergiram os
deuses e o mundo. Já os hindus falam de um ciclo eterno de criação, conservação
e destruição — o universo como um respirar cósmico, sem começo fixo. A Bíblia
começa com “No princípio”, mas nunca explica de onde veio o “princípio”. Os
cientistas modernos trocam os deuses por o Big Bang, mas também
tropeçam: de onde veio a singularidade inicial?
É
curioso que, mesmo com telescópios que captam luz de bilhões de anos atrás, a
pergunta permanece tão inquietante quanto nas cavernas. O mistério não
diminuiu. Apenas sofisticamos o vocabulário da dúvida.
A
metafísica do espanto
O
filósofo alemão Martin Heidegger formulou a questão de forma ainda mais
radical: “Por que há o ente e não antes o nada?” O que ele quer dizer é:
a existência em si é um espanto. O fato de que algo, qualquer coisa — uma
pedra, uma formiga, um pensamento — exista, já é mais difícil de explicar do
que qualquer fórmula sobre a origem.
Porque,
veja: o nada seria mais simples. O nada não precisa de explicação. Mas o mundo
está aqui, insistente. Então, por que algo existe?
Alguns
tentaram resolver isso dizendo que o mundo “sempre existiu”. Outros apelam a um
criador eterno. Há os que dizem que é tudo ilusão — como os budistas, que falam
de Maya, a aparência das coisas. Mas todas essas respostas, quando
examinadas com calma, escorregam da mão como sabão molhado. Talvez o erro seja
esse: querer que o mundo se explique como um enigma com solução única.
Você
ainda está aí lendo este ensaio? Angustiado em saber as respostas?
Uma
proposta inusitada: o mundo como erro fecundo
E
se, em vez de um plano divino ou de uma sequência causal lógica, o mundo fosse
fruto de um erro criativo? Como uma frase dita sem querer que muda o
rumo da conversa. Como aquele gole de café que cai da mão e, ao pingar, revela
a forma de um rosto no chão. Talvez o mundo tenha surgido como um acidente
cósmico fecundo, um tropeço que gerou a dança.
O
pensador brasileiro Rubem Alves dizia que talvez Deus tenha criado o
mundo como quem escreve um poema, sem saber exatamente o final — apenas
impelido por uma necessidade de beleza. Nesse sentido, o mundo não veio de
um lugar, mas de um desejo. Não nasceu de uma origem definida, mas de uma ânsia
de manifestação. Como um grito no escuro, como um riso sem motivo.
O
mundo como pergunta, não como resposta
No
fim das contas, talvez o mundo não tenha vindo de algum lugar porque ele
é o próprio vir-a-ser. Ele não tem um ponto de partida fixo, mas é um
fluxo, uma pergunta encarnada. A cada manhã que nasce, o mundo está se
originando de novo. Cada olhar que se espanta é uma nova criação.
Talvez
devêssemos parar de perguntar “de onde vem o mundo?” e começar a viver como se
o mundo fosse um convite a criar sentidos. Um convite feito sem explicação,
mas com infinita abertura.
Afinal,
como dizia o poeta Rilke, “Viver as perguntas” talvez seja mais sábio do que
querer todas as respostas.
E
a pergunta ecoa de novo — talvez no fundo da xícara de café, talvez no silêncio
entre dois olhares:
De
onde vem o mundo?
Talvez
ele venha exatamente daqui — do lugar onde essa pergunta pulsa.