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segunda-feira, 26 de maio de 2025

Origem Inquieta

De onde vem o mundo?

Estava outro dia na fila do pão, dessas que misturam cheiro de fermento com conversa fiada, quando ouvi uma senhora dizer ao neto: “Tudo isso foi Deus que fez, meu filho.” O menino respondeu: “Mas e antes de Deus?” Eu sorri com o canto da boca. Ali, entre o pão francês e o troco contado, surgiu de novo a pergunta mais antiga e mais angustiante: de onde vem o mundo?

Não se trata apenas de uma curiosidade cósmica. Essa questão tem unhas que arranham nossa paz, principalmente nas madrugadas insones ou nas tardes em que o sentido escorre como areia entre os dedos. Recordo de momentos de admiração ao olhar as ondas do mar beijando a areia branca, o pensamento naquele embalinho instigaram a me fazer a pergunta angustiante: De onde vem o mundo? O que havia antes do tempo, antes do espaço, antes da primeira ideia? Havia algo ou havia o nada? E, se havia o nada, como é que o nada virou alguma coisa?

A origem: entre mitos e equações

Desde os antigos, inventamos narrativas para acalmar esse abismo. Os gregos criaram o Caos, uma espécie de mistura primitiva sem forma, da qual emergiram os deuses e o mundo. Já os hindus falam de um ciclo eterno de criação, conservação e destruição — o universo como um respirar cósmico, sem começo fixo. A Bíblia começa com “No princípio”, mas nunca explica de onde veio o “princípio”. Os cientistas modernos trocam os deuses por o Big Bang, mas também tropeçam: de onde veio a singularidade inicial?

É curioso que, mesmo com telescópios que captam luz de bilhões de anos atrás, a pergunta permanece tão inquietante quanto nas cavernas. O mistério não diminuiu. Apenas sofisticamos o vocabulário da dúvida.

A metafísica do espanto

O filósofo alemão Martin Heidegger formulou a questão de forma ainda mais radical: “Por que há o ente e não antes o nada?” O que ele quer dizer é: a existência em si é um espanto. O fato de que algo, qualquer coisa — uma pedra, uma formiga, um pensamento — exista, já é mais difícil de explicar do que qualquer fórmula sobre a origem.

Porque, veja: o nada seria mais simples. O nada não precisa de explicação. Mas o mundo está aqui, insistente. Então, por que algo existe?

Alguns tentaram resolver isso dizendo que o mundo “sempre existiu”. Outros apelam a um criador eterno. Há os que dizem que é tudo ilusão — como os budistas, que falam de Maya, a aparência das coisas. Mas todas essas respostas, quando examinadas com calma, escorregam da mão como sabão molhado. Talvez o erro seja esse: querer que o mundo se explique como um enigma com solução única.

Você ainda está aí lendo este ensaio? Angustiado em saber as respostas?

Uma proposta inusitada: o mundo como erro fecundo

E se, em vez de um plano divino ou de uma sequência causal lógica, o mundo fosse fruto de um erro criativo? Como uma frase dita sem querer que muda o rumo da conversa. Como aquele gole de café que cai da mão e, ao pingar, revela a forma de um rosto no chão. Talvez o mundo tenha surgido como um acidente cósmico fecundo, um tropeço que gerou a dança.

O pensador brasileiro Rubem Alves dizia que talvez Deus tenha criado o mundo como quem escreve um poema, sem saber exatamente o final — apenas impelido por uma necessidade de beleza. Nesse sentido, o mundo não veio de um lugar, mas de um desejo. Não nasceu de uma origem definida, mas de uma ânsia de manifestação. Como um grito no escuro, como um riso sem motivo.

O mundo como pergunta, não como resposta

No fim das contas, talvez o mundo não tenha vindo de algum lugar porque ele é o próprio vir-a-ser. Ele não tem um ponto de partida fixo, mas é um fluxo, uma pergunta encarnada. A cada manhã que nasce, o mundo está se originando de novo. Cada olhar que se espanta é uma nova criação.

Talvez devêssemos parar de perguntar “de onde vem o mundo?” e começar a viver como se o mundo fosse um convite a criar sentidos. Um convite feito sem explicação, mas com infinita abertura.

Afinal, como dizia o poeta Rilke, “Viver as perguntas” talvez seja mais sábio do que querer todas as respostas.

E a pergunta ecoa de novo — talvez no fundo da xícara de café, talvez no silêncio entre dois olhares:

De onde vem o mundo?

Talvez ele venha exatamente daqui — do lugar onde essa pergunta pulsa.

quarta-feira, 7 de maio de 2025

Freio do Espanto

Já se perguntou por que paramos para ver um acidente?

Outro dia, indo para o trabalho, o trânsito na avenida principal parou de repente. Não era semáforo, nem blitz, nem buraco na pista. Era um corpo. Estendido no asfalto, cercado de cones, olhares e celulares. Os carros à frente diminuíram a marcha. Alguns motoristas encostaram. Outros apenas reduziram o suficiente para inclinar o pescoço, esticar os olhos, captar o detalhe: o estado da moto, a posição do corpo, se ainda respirava. A cena era silenciosa, embora tudo ao redor continuasse ruidoso. Como se, por alguns metros, entrássemos numa cápsula onde o tempo hesita.

Decidi escrever sobre isso não para julgar o comportamento, mas para pensar com ele. O impulso de olhar um acidente é tão comum quanto incômodo. Ele carrega algo de profundamente humano — e também algo de perigoso. Ao refletir sobre essa cena, me parece que ela revela mais sobre nós do que gostaríamos de admitir: nossos medos, nossos desejos, nossa maneira de lidar com a dor alheia. E escrever é uma forma de transformar esse incômodo em pensamento.

A curiosidade que dói

O primeiro impulso que sentimos diante do inusitado é olhar. Ver para crer. Ver para entender. O acidente interrompe o cotidiano. Ele rasga a rotina com um grito mudo. E nesse corte da normalidade, a curiosidade humana encontra espaço.

Aristóteles dizia, já na Metafísica, que “todos os homens têm, por natureza, o desejo de saber”. Mas esse saber não se limita ao que é nobre ou racional. Também queremos saber o que dói, o que choca, o que assusta. O acidente é uma pergunta aberta: o que houve aqui? — e também: poderia ser comigo?

A dor do outro como espetáculo

Walter Benjamin, filósofo alemão, nos alertava sobre como a modernidade transforma acontecimentos em “experiências empobrecidas”, facilmente consumidas e rapidamente descartadas. A cena do acidente, muitas vezes, é consumida assim: com olhos famintos e coração distraído.

A filósofa Susan Sontag, em Diante da dor dos outros, vai além: ela mostra como as imagens de sofrimento tendem a anestesiar, em vez de mobilizar. Ver demais pode nos fazer sentir menos. Quando o sofrimento se transforma em conteúdo — uma imagem, uma manchete, um story — corremos o risco de esquecer que há alguém real, com nome, vida, vínculos, deitado no asfalto.

E mesmo quem não filma, mas apenas olha, participa de certa maneira desse ritual. É um “olhar suspenso”: ao mesmo tempo solidário e mórbido, aflito e fascinado. Porque olhar é também uma forma de buscar segurança — “ainda não foi comigo” — e, às vezes, uma tentativa estranha de se conectar com o trágico.

Um espelho breve

Há quem diga que, ao ver o acidente, sentimos empatia. Talvez. Mas também é possível que vejamos ali o próprio abismo. A fragilidade do corpo. A imprevisibilidade da vida. O corte na semana, na agenda, na rotina. Olhar para o acidente é, às vezes, como encarar um espelho rachado: vemos o que pode se quebrar em nós.

O pensador francês Georges Didi-Huberman lembra que “ver é, antes de tudo, ser atingido”. E, de fato, não se sai ileso de uma cena dessas — mesmo como espectador. O incômodo permanece. A imagem volta durante o almoço, nos atravessa no banho, ressurge antes de dormir. Há algo no acidente que continua reverberando em silêncio.

Por que refletir sobre isso?

Porque o hábito de olhar o acidente, se não for examinado, pode nos transformar. Pode nos tornar espectadores passivos do sofrimento do outro. Pode fazer com que a dor vire só mais uma parada no caminho, um “conteúdo forte” para contar no trabalho ou comentar no grupo de WhatsApp.

Pensar sobre isso é um jeito de resgatar a humanidade por trás do hábito. De perguntar: o que faço com o que vejo? Olhar pode ser gesto de cuidado, de testemunho, de indignação. Mas também pode ser o contrário. E só refletindo é que aprendemos a distinguir.

No fundo, talvez seja isso: quando o trânsito para por causa de um acidente, não é só o carro que freia. É a alma que hesita. E esse instante — esse breve espanto — merece ser olhado com mais atenção do que a cena na pista.


quinta-feira, 17 de abril de 2025

Buraco Negro

Sempre me fascinou a ideia de um buraco negro. Não pelo seu apetite voraz, devorando estrelas e curvando o espaço-tempo como um escultor cósmico, mas pelo mistério filosófico que carrega. O que acontece além do horizonte de eventos? Seria um portal para outro universo? Ou um espelho do nosso próprio vazio existencial? Enquanto a ciência tenta descrever sua natureza matemática, a filosofia pode nos ajudar a compreender o que um buraco negro representa para o pensamento humano.

Um buraco negro é, antes de tudo, um conceito-limite. Ele marca o ponto em que as leis conhecidas da física entram em colapso, onde a gravidade se torna absoluta e nada, nem mesmo a luz, pode escapar. É um lembrete cósmico da nossa ignorância e da fragilidade do conhecimento humano. Se a filosofia busca a verdade, o buraco negro nos mostra onde ela se dissolve. Assim como os paradoxos de Zenão questionam o movimento e a continuidade, os buracos negros questionam a própria estrutura da realidade.

Nietzsche nos alertou sobre o abismo que nos devolve o olhar quando o encaramos. Olhar para um buraco negro é um pouco disso: confrontar algo que desafia a nossa compreensão. O buraco negro simboliza o desconhecido absoluto, o ponto onde a razão vacila e onde as categorias tradicionais do pensamento falham.

E se o buraco negro for mais do que um fenômeno astrofísico? Podemos vê-lo como uma metáfora para os buracos de nossa própria existência. Quantas vezes nos encontramos diante de situações em que o tempo parece parar, em que tudo ao redor colapsa em um silêncio infinito? O luto, a perda, a crise existencial – são momentos em que a vida se assemelha a um buraco negro, sugando todas as certezas e nos deixando apenas com perguntas.

Por outro lado, há também a ideia do buraco negro como possibilidade. Alguns teóricos sugerem que ele pode ser uma passagem para outro universo, uma espécie de atalho cósmico. E não seria essa a essência de toda transformação profunda? O momento de desespero, o colapso da identidade, pode ser o limiar de um novo mundo interno. Assim, em vez de temer o buraco negro, poderíamos vê-lo como um convite à reinvenção.

No fim das contas, buracos negros são aquilo que projetamos neles: o desconhecido, o medo, a curiosidade ou a esperança. São um espelho do próprio pensamento humano, testando os limites da razão e abrindo novas possibilidades para além do horizonte do que podemos conhecer. Talvez a filosofia e a ciência não precisem responder o que há dentro de um buraco negro – talvez a verdadeira questão seja: o que um buraco negro revela sobre nós?