Outro
dia, parado na fila do pão, me vi novamente diante de um dilema bobo: pego o
francês cascudo, que é mais gostoso, ou o integral, que é menos gostoso mas
teoricamente mais saudável? Um dilema pequeno, quase invisível, mas que habita
o cotidiano como aquele mosquito que a gente finge que não vê até ele pousar na
testa. Fiquei pensando: quantas decisões assim a gente toma por dia? E, mais do
que isso, será que esses dilemas banais dizem algo profundo sobre quem somos?
A
vida parece cheia de dilemas, mas não aqueles que exigem grandes discursos
morais ou crises existenciais cinematográficas. Não. Falo dos dilemas habituais
— os que nos pegam desprevenidos entre o café e o elevador, entre dizer “sim”
por educação ou “não” por convicção, entre seguir o fluxo ou bancar o chato da
vez. Eles são repetitivos, às vezes insignificantes à primeira vista, mas se
acumulam como folhas secas no quintal da mente. E é nesse acúmulo que mora a
questão filosófica.
Esses
dilemas pequenos, quase automáticos, revelam uma coisa: nossa vida é feita
menos de grandes escolhas e mais de microescolhas. Enquanto esperamos por
momentos decisivos, vivemos sob a tirania suave do hábito. Escolher entre falar
ou calar, responder a uma mensagem agora ou daqui a pouco, fingir que não viu
ou encarar. Pequenas decisões que constroem, dia após dia, a arquitetura do
nosso caráter.
O
filósofo Søren Kierkegaard dizia que “a repetição é a realidade e a seriedade
da existência”. E se for verdade que repetimos nossos dilemas, talvez
devêssemos prestar mais atenção neles. Talvez o dilema de usar a escada ou o
elevador não seja apenas sobre preguiça ou exercício, mas sobre como tratamos o
corpo, o tempo e os nossos compromissos com nós mesmos. E quando hesitamos em
dizer “não” a um convite que não queremos aceitar, talvez não estejamos apenas
sendo educados — talvez estejamos ensaiando, de novo, nossa incapacidade de
impor limites.
Um
dilema habitual não é só uma escolha recorrente. É um espelho. Ele devolve a
imagem de como decidimos o mundo sem perceber. E aqui entra um ponto inovador:
esses dilemas não precisam ser resolvidos. Eles precisam ser observados. Porque
a própria repetição deles pode ser sintoma de algo mais fundo — uma forma de
viver em piloto automático, sem refletir que até o gesto de escolher um pão
está vinculado a valores, desejos, culpa e até memórias de infância.
Os
dilemas habituais são uma espécie de filosofia disfarçada de rotina. Eles nos
perguntam, dia após dia, de forma sutil: quem você está sendo agora?
E
talvez, quem sabe, a próxima vez que estivermos em dúvida entre duas coisas
aparentemente banais, percebamos que ali, naquela hesitação doméstica, mora a
chance de fazer contato com a nossa própria ética cotidiana. Não a que se
escreve nos livros, mas a que se escreve com migalhas de pão na mesa do café.
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