Pesquisar este blog

quarta-feira, 16 de abril de 2025

Dilemas Habituais


 

Outro dia, parado na fila do pão, me vi novamente diante de um dilema bobo: pego o francês cascudo, que é mais gostoso, ou o integral, que é menos gostoso mas teoricamente mais saudável? Um dilema pequeno, quase invisível, mas que habita o cotidiano como aquele mosquito que a gente finge que não vê até ele pousar na testa. Fiquei pensando: quantas decisões assim a gente toma por dia? E, mais do que isso, será que esses dilemas banais dizem algo profundo sobre quem somos?

A vida parece cheia de dilemas, mas não aqueles que exigem grandes discursos morais ou crises existenciais cinematográficas. Não. Falo dos dilemas habituais — os que nos pegam desprevenidos entre o café e o elevador, entre dizer “sim” por educação ou “não” por convicção, entre seguir o fluxo ou bancar o chato da vez. Eles são repetitivos, às vezes insignificantes à primeira vista, mas se acumulam como folhas secas no quintal da mente. E é nesse acúmulo que mora a questão filosófica.

Esses dilemas pequenos, quase automáticos, revelam uma coisa: nossa vida é feita menos de grandes escolhas e mais de microescolhas. Enquanto esperamos por momentos decisivos, vivemos sob a tirania suave do hábito. Escolher entre falar ou calar, responder a uma mensagem agora ou daqui a pouco, fingir que não viu ou encarar. Pequenas decisões que constroem, dia após dia, a arquitetura do nosso caráter.

O filósofo Søren Kierkegaard dizia que “a repetição é a realidade e a seriedade da existência”. E se for verdade que repetimos nossos dilemas, talvez devêssemos prestar mais atenção neles. Talvez o dilema de usar a escada ou o elevador não seja apenas sobre preguiça ou exercício, mas sobre como tratamos o corpo, o tempo e os nossos compromissos com nós mesmos. E quando hesitamos em dizer “não” a um convite que não queremos aceitar, talvez não estejamos apenas sendo educados — talvez estejamos ensaiando, de novo, nossa incapacidade de impor limites.

Um dilema habitual não é só uma escolha recorrente. É um espelho. Ele devolve a imagem de como decidimos o mundo sem perceber. E aqui entra um ponto inovador: esses dilemas não precisam ser resolvidos. Eles precisam ser observados. Porque a própria repetição deles pode ser sintoma de algo mais fundo — uma forma de viver em piloto automático, sem refletir que até o gesto de escolher um pão está vinculado a valores, desejos, culpa e até memórias de infância.

Os dilemas habituais são uma espécie de filosofia disfarçada de rotina. Eles nos perguntam, dia após dia, de forma sutil: quem você está sendo agora?

E talvez, quem sabe, a próxima vez que estivermos em dúvida entre duas coisas aparentemente banais, percebamos que ali, naquela hesitação doméstica, mora a chance de fazer contato com a nossa própria ética cotidiana. Não a que se escreve nos livros, mas a que se escreve com migalhas de pão na mesa do café.

Nenhum comentário:

Postar um comentário