“Meu ensaio de hoje é sobre o tempo que não se acumula, mas quando olho para ampulheta, penso que aquele montinho de areia em cima é o tempo acumulado que ainda tenho para viver e na parte de baixo é o meu tempo que já passou"
Outro
dia, parado num ponto de ônibus com o celular sem bateria e nenhuma alma por
perto, percebi algo curioso: o tempo não faz barulho. Ele passa, silencioso,
como um gato preguiçoso atravessando a sala. E nesse silêncio, comecei a pensar
sobre esse tal de “momento a momento” — uma expressão que parece óbvia, mas
talvez esconda um universo inteiro atrás de sua simplicidade.
A
gente vive como se a vida fosse uma escada rolante, e cada degrau fosse um
momento nos levando a algum lugar importante. Mas será que é assim mesmo? E se,
na verdade, não houvesse escada, nem direção, nem meta? Só o passo de agora,
seguido por outro passo de agora, e outro. Sem acúmulo. Sem saldo no banco do
tempo.
A
ilusão da continuidade
Desde
pequenos, nos ensinam a pensar no tempo como uma linha: começo, meio e fim.
Aniversário de um ano, formatura, casamento, aposentadoria. Tudo tão
organizadinho como capítulos de uma série. Mas viver momento a momento é
reconhecer que essa linearidade é mais uma invenção nossa do que uma estrutura
real.
O
filósofo francês Henri Bergson já dizia que o tempo vivido, o durée, não é o
mesmo tempo dos relógios. O tempo da experiência é feito de fluxo, de
intensidade, não de minutos. Quando estamos apaixonados, uma hora passa voando.
Na fila do banco, dez minutos parecem uma eternidade. Viver momento a momento é
estar nesse tempo interior, não no tempo do calendário.
O
peso que não precisa ser carregado
Quando
vivemos pensando no passado ou no que pode acontecer daqui a cinco anos,
acumulamos peso. Cada escolha vira um fantasma ou uma dívida. Mas o instante
presente não exige justificativa. Ele simplesmente é.
É
como o voo de um pássaro: ele não pensa no próximo galho, ele voa. Pensar
demais em para onde estamos indo faz com que a gente esqueça que já estamos
indo, já estamos no meio do caminho, e o agora — esse agora em que você está
lendo essa linha — já está acontecendo. E já passou. E já virou outro.
A
prática do instante
Na
vida real, isso aparece nas pequenas coisas. Quando alguém te pergunta "tá
tudo bem?" e você, por um segundo, realmente para para pensar se está. Ou
quando você olha para um cachorro atravessando a rua e percebe que ele está
ali, sem passado nem futuro, só farejando o momento.
A
filosofia oriental, especialmente nas tradições zen, insiste muito nisso: o
agora é tudo o que existe. O monge Thich Nhat Hanh dizia que “o milagre não é
caminhar sobre as águas, mas caminhar sobre a Terra no momento presente”. A
maioria de nós está sempre meio fora de si, pensando no que ainda não chegou ou
no que já foi. O desafio é ancorar-se no instante.
O
momento como território
Se
o momento é tudo o que há, então ele é também um lugar. Um território que
precisa ser explorado com olhos novos. Há paisagens inteiras no silêncio de um
café, na respiração de alguém adormecido ao nosso lado, no cheiro da chuva
quando ela começa a cair.
Viver
momento a momento não é esquecer o passado nem ignorar o futuro. É dar ao agora
a dignidade que ele merece. É permitir-se não saber para onde vai, mas seguir
com atenção, com presença, com espanto.
Talvez
o segredo da vida não esteja em grandes planos nem em marcos épicos, mas na
coragem de estar inteiro no agora. O agora que não volta, que não se repete,
que nem sempre brilha — mas que é real. Momento a momento, vamos esculpindo a
única coisa que realmente temos: a nossa presença no tempo que não se acumula.
E
se o ônibus não vier, tudo bem. Enquanto isso, o tempo segue passando,
silencioso, e talvez seja esse o som mais profundo que existe.
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