Há uma casa dentro de nós. Alguns chamam de alma, outros de espírito, outros ainda de consciência. Pouco importa o nome — é um espaço íntimo, silencioso, misterioso, e, ao mesmo tempo, tão nosso quanto nosso próprio respirar. O problema é que, muitas vezes, vivemos do lado de fora dela. Construímos fachadas, decoramos muros, trocamos telhados, pintamos janelas, mas raramente entramos.
Essa
casa interior não se revela com chave. Ela se revela com pausa.
Vivemos
tão ocupados tentando provar algo para os outros — ou para nós mesmos — que
esquecemos de nos visitar. Isso mesmo. Esquecemos de fazer aquela visita
delicada ao nosso próprio ser, como quem bate na porta e diz: “Estou aqui.
Queria te escutar.”
E
quando, finalmente, sentamos no chão dessa casa, percebemos que não estamos
sozinhos. Há ali dentro uma criança com olhos atentos, um velho cansado que
pede repouso, um sábio que não tem pressa, um animal que ainda teme a dor e um
anjo que nos conhece sem julgamento. Tudo isso somos nós. E tudo isso também é
o outro. Eis o elo invisível que nos une a todos.
Mas
o que faz com que algumas pessoas vivam a vida toda sem nunca cruzar a soleira
de sua casa interior?
Talvez
o medo. Talvez o barulho. Talvez a crença de que tudo o que existe está do lado
de fora, em metas, em conquistas, em comparação. A cultura do fazer, do ir, do
crescer para fora — mas não para dentro. Só que o crescimento sem raízes é uma
árvore que não se sustenta.
O
retorno ao lar
O
retorno à casa interior é silencioso. Às vezes começa com o cansaço. Outras,
com uma perda. Outras ainda com um encantamento — uma flor que desabrocha, um
pôr do sol, um poema esquecido, uma música que toca bem onde doía. Não é um
caminho que se percorra com os pés, mas com a entrega.
E
nesse lar reencontrado, surge uma nova maneira de viver. Começamos a perceber
que tudo fala com tudo. Que os acontecimentos não são apenas fatos, mas
mensagens. Que as pessoas não são obstáculos, mas espelhos. Que o tempo não é
inimigo, mas mestre. E que a alma, essa sim, está sempre disposta a nos
abrigar, se nos dispusermos a escutá-la.
O
sagrado cotidiano
O
espiritualismo que propomos aqui não é etéreo. Ele caminha de chinelos pela
casa, olha nos olhos do caixa do supermercado, sente o perfume do café da
manhã. Ele não precisa de templo, embora os respeite. Ele é uma postura. Uma
forma de estar no mundo com mais presença, mais escuta, mais reverência pelo
mistério da existência.
Sri
Ram, pensador espiritualista, dizia: “A alma não busca respostas. Ela busca
escutar a vida em silêncio.” E é exatamente isso. A casa interior não nos dá
garantias, mas nos devolve o sentido. E sentido, em tempos de excesso, é o
verdadeiro luxo.
Para
todos
Este
ensaio é para todos. Para quem crê e para quem duvida. Para quem busca e para
quem acha que já encontrou. Para quem está cansado e para quem ainda não se
permitiu cansar. Porque todos, sem exceção, habitamos essa casa. E todos, mais
cedo ou mais tarde, seremos convidados a voltar.
Talvez
hoje. Talvez agora. Talvez este texto seja apenas a campainha tocando.
Você
atende?
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