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domingo, 20 de abril de 2025

Sublime e Belo

 

Quando o feio arrepia e o bonito não basta

Outro dia, no meio de um engarrafamento, o céu ficou de um roxo esverdeado, com nuvens espessas e rasgadas, como se algo do além estivesse prestes a acontecer. As buzinas não importavam mais. Durante aqueles segundos, o mundo parou. Não porque era belo, mas porque era intenso. Aquilo era o sublime, me dei conta depois. Uma força quase violenta, que nos tira o chão e faz o coração se comportar como se estivesse diante do fim – ou de Deus.

A estética, esse ramo da filosofia que trata da sensibilidade, sempre teve uma quedinha por classificar o mundo em bonito e feio. Mas entre essas categorias, há uma fenda antiga, um abismo onde o pensamento cai e treme: é o sublime.

O belo: harmonia que conforta

O belo, segundo a tradição clássica, é aquilo que agrada sem surpresa. Tem simetria, proporção, medida. Aristóteles e Platão já discutiam o belo como um reflexo da ordem ideal. O rosto simétrico, a música com acordes esperados, a paisagem bucólica com vaquinhas no campo. O belo reconcilia, organiza, dá um certo alívio à existência. A arte bela é aquela que a gente consegue pôr numa moldura e pendurar na sala.

Kant diria que o belo é o que agrada universalmente sem conceito. Ou seja, você não precisa explicar por que uma flor é bonita – você simplesmente sente. E nesse sentir há uma paz, uma suspensão temporária do conflito interno. O belo nos lembra que há uma lógica possível para a vida.

O sublime: quando o sensível nos excede

Mas aí vem o sublime, esse intruso na festa do belo. Kant também falou dele, mas com outro tom. O sublime não é o que agrada, é o que abala. Montanhas gigantescas, tempestades em alto-mar, uma catedral gótica com vitrais que parecem estourar o teto. O sublime é o que excede a nossa capacidade de apreensão imediata. É o sentimento de pequenez diante de algo que nos atravessa.

E antes de Kant, quem deu um empurrão definitivo nessa distinção foi Edmund Burke, no seu tratado "Investigação filosófica sobre a origem de nossas ideias do sublime e do belo" (1757). Para Burke, o belo está ligado ao amor, à delicadeza e à harmonia. Já o sublime está ligado ao medo – principalmente o medo do poder, da dor e da morte. Mas é um medo que encanta. O sublime, segundo ele, surge quando somos tomados por uma sensação de ameaça distante, segura o bastante para que a gente sinta prazer no pavor. Burke foi ousado ao afirmar que o que realmente nos arrebata não é o que nos agrada, mas o que nos amedronta e nos deixa sem palavras.

O sublime moderno: cinema, ruínas e explosões

Hoje, o sublime se esconde onde menos se espera. Um filme como 2001: Uma Odisseia no Espaço nos lança nessa vertigem estética. Há momentos em que não entendemos nada e, ainda assim, ficamos hipnotizados. A explosão de uma estrela em imagens da NASA, um terremoto, ou mesmo uma cena de rua capturada por um fotógrafo anônimo – tudo isso pode carregar uma força sublime.

As ruínas de uma cidade abandonada também são sublimes: mostram que o tempo vence, que o que achamos sólido é frágil. Há algo de sublime também no silêncio diante da morte, naquela angústia sem resposta. O sublime nos obriga a sair do script.

Filosofia e vida: por que precisamos dos dois?

A estética do sublime nos salva da normose – essa doença do normal que anestesia a alma. Já o belo nos oferece o necessário descanso depois do abalo. Uma vida apenas bela se torna entediante; uma vida apenas sublime seria insuportável.

Nietzsche, embora não usasse esses termos com frequência, provavelmente simpatizaria mais com o sublime. Ele falava da necessidade do caos para gerar uma estrela dançante. Já Simone Weil, em outro registro, diria que o sofrimento (e, com ele, o sublime) nos coloca em contato com o real – aquele que não pode ser decorado com florzinhas.

Então, no fim das contas, talvez a vida seja isso: um passeio entre o espanto e o encanto. Entre o que nos reconforta e o que nos desestabiliza. O sublime nos lembra da grandeza que nos escapa; o belo, da beleza que nos habita. E entre um e outro, vamos vivendo – e tentando entender por que o céu às vezes fica roxo e a gente chora sem saber o motivo.

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