Quando a Realidade se Recusa a Colaborar
Outro
dia, tomando um café forte, escutei alguém dizer: "Isso aí não vai dar
certo. Não é viável." A sentença era definitiva, como se a viabilidade
fosse um juiz infalível, pronto para arquivar qualquer tentativa ousada. Fiquei
pensando: e se a própria ideia de viabilidade fosse um conceito contestável?
Afinal, quantas coisas hoje comuns foram, um dia, consideradas impossíveis?
A
viabilidade, no discurso cotidiano, parece uma métrica neutra, uma régua que
mede se algo pode ou não acontecer. Mas será que ela é realmente objetiva? Ou
será que é apenas um reflexo de crenças, interesses e padrões aceitos num
determinado tempo e espaço? Quando algo é chamado de inviável, não estamos
apenas descrevendo a realidade, mas também reforçando um certo modo de ver o
mundo, delimitando o que pode e o que não pode existir.
A
Ilusão do Impossível
Se
voltarmos no tempo, veremos que muitas das grandes transformações da humanidade
nasceram de tentativas de desafiar o senso comum da viabilidade. Voar?
Inviável, diziam. Computadores pessoais? Um absurdo. O simples fato de conceber
algo novo já implica um enfrentamento com o estabelecido. O status quo precisa
se proteger, e a alegação de inviabilidade muitas vezes é uma estratégia de
contenção.
Aqui
podemos recorrer a Gaston Bachelard, que nos fala sobre os obstáculos
epistemológicos – barreiras invisíveis ao pensamento que nos fazem descartar
possibilidades antes mesmo de testá-las. Não é que algo seja realmente
inviável, mas nossa forma de pensar o impede de ser viável. O medo da ruptura,
a inércia da tradição e o conformismo são os verdadeiros carrascos da inovação.
Viabilidade
e Poder
Curiosamente,
o que é viável e o que não é depende de quem fala. O dinheiro transforma a
inviabilidade em detalhe técnico. Grandes corporações conseguem tornar viável o
que parecia impensável, simplesmente porque têm recursos para insistir. Isso
revela que a viabilidade não é um critério universal, mas um campo de disputa.
O que é viável para um pode ser impossível para outro.
A
filósofa brasileira Suely Rolnik nos alerta para os mecanismos de subjetivação
que moldam nossa percepção do que é possível. Quando absorvemos sem questionar
a ideia de inviabilidade, estamos aceitando um modelo de mundo imposto por
forças que nem sempre têm nossos interesses em mente. A viabilidade contestada
não é apenas um exercício teórico; é um ato de resistência contra os limites
arbitrários do possível.
O
Que Fazer com a Inviabilidade?
Se
toda viabilidade pode ser contestada, então não devemos tomá-la como um
veredito definitivo. O que hoje parece impraticável pode ser, na verdade,
apenas um sintoma de uma visão restrita da realidade. Questionar a viabilidade
não significa ignorar desafios concretos, mas reconhecer que o impossível pode
ser apenas uma convenção mal elaborada.
Então,
quando alguém lhe disser que algo não é viável, talvez valha a pena perguntar:
para quem? E por quê?
Nenhum comentário:
Postar um comentário