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quinta-feira, 24 de abril de 2025

Percepção de Empédocles



Outro dia, me peguei observando o reflexo da rua numa poça d’água. Tinha sol, mas também ventava frio. As pessoas passavam apressadas, e eu, meio à toa, pensei: será que o que vejo é mesmo o que está lá fora? Ou é só um reflexo — não só na água, mas na mente? E aí me veio à cabeça um nome que quase ninguém cita numa conversa de bar: Empédocles.

A percepção como mistura dos elementos

Empédocles, o filósofo pré-socrático de Agrigento, talvez não ganhe o mesmo destaque que Sócrates ou Platão, mas ele teve uma sacada genial: tudo que existe é feito de quatro raízes — terra, água, ar e fogo — misturadas pelo Amor e separadas pelo Ódio. Agora, se ele pensava assim sobre o mundo físico, por que não pensar a percepção humana também como uma mistura dessas raízes?

Não percebemos com "os olhos" apenas, mas com a composição inteira do nosso ser. Empédocles dizia que "o semelhante conhece o semelhante", ou seja, só percebemos aquilo que já existe em nós. A terra em mim reconhece a terra do mundo. A água em mim se emociona com o rio. O fogo em mim vibra com a paixão. O ar em mim sonha com as nuvens.

Perceber é participar

Para Empédocles, não existe uma separação entre sujeito e objeto como a filosofia moderna adora discutir. Não somos uma câmera registrando o mundo. Somos parte do mundo. Ver, sentir, cheirar, ouvir — tudo isso é um encontro entre o que há dentro e fora de nós. Quando eu sinto o calor do sol na pele, não é só o sol me tocando — é também meu fogo interno reconhecendo um parente distante.

E é aqui que a coisa fica bonita: se percepção é mistura, então ela é fluida, mutável, dançante. Ninguém vê o mesmo pôr do sol duas vezes, nem mesmo a mesma pessoa. O que sentimos do mundo depende do que está mais forte em nós naquele momento — se é a água, talvez estejamos mais sensíveis. Se é a terra, mais contidos. Se o ar predomina, queremos voar. Se o fogo domina, queimamos por dentro e tudo ao redor parece mais intenso.

A ilusão da objetividade

A modernidade construiu a ideia de uma percepção objetiva, como se pudéssemos desligar nossa alma e virar instrumentos neutros. Mas Empédocles desmontaria isso com facilidade. Para ele, não existe olhar sem mistura. Até o ódio altera a percepção — ele separa os elementos, cria rupturas, endurece o que poderia fluir.

Um exemplo cotidiano? Quando estamos apaixonados (movidos pelo Amor, segundo Empédocles), o mundo parece mais bonito, as cores mais vivas, até o cheiro do asfalto molhado parece poesia. Mas quando estamos tomados pelo Ódio (ou pelo medo, ou ressentimento), tudo escurece, tudo encolhe.

Ver é ser

A grande sacada de Empédocles talvez seja esta: perceber não é apenas captar, mas também compor. Somos compositores da realidade a cada olhar. A percepção é o lugar onde o mundo e a alma se abraçam — ou se evitam.

Na próxima vez que olhar para uma poça d’água, pense: não é só a rua que está ali refletida. É também você. E sua terra, sua água, seu fogo e seu ar — dançando conforme a música dos elementos que você carrega.

Empédocles talvez não tenha tido Instagram, mas entendia uma coisa que a gente esquece: ver o mundo é sempre ver a si mesmo também.


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