Hoje o papo é sobre os arquitetos do prazer!
Outro
dia, esbarrei numa dessas frases estampadas em canecas de livraria: “Viva o
agora”. E enquanto tomava meu café meio frio, fiquei pensando: esse “agora” que
todo mundo quer tanto viver… será que é mesmo o agora que a gente vive, ou só
uma desculpa para fugir do tédio, do compromisso, do peso do depois? Foi aí que
me dei conta — estamos rodeados de hedonistas. E, para ser bem honesto, às
vezes eu sou um deles.
Mas
afinal, o que é ser hedonista hoje em dia? Comer um doce escondido da dieta?
Maratonar uma série em plena segunda? Postar uma selfie com filtro e caption
filosófico? Talvez sim. Talvez seja também um grito sutil contra um mundo que
nos cobra produtividade como religião. O hedonista moderno não é só aquele que
busca prazer — ele também se defende do cansaço, da culpa e do controle.
O
hedonismo como resistência
Na
Grécia Antiga, os hedonistas não eram influencers com drinks coloridos na mão,
mas pensadores sérios. Epicuro, por exemplo, acreditava que o prazer era o bem
supremo, mas o prazer inteligente — aquele que evita a dor, que cultiva
amizades, que vive com simplicidade. Ele provavelmente rejeitaria boa parte do
hedonismo pop de hoje, baseado em excesso, consumo e dopamina de curto prazo.
Mas não dá pra negar: ainda é tudo uma grande tentativa de escapar da dor.
Há
algo de profundamente humano nisso. O hedonista, em última análise, é alguém
que entende que a vida é breve e quer sugar dela o néctar antes que azede. Mas
eis o dilema: quanto mais a gente corre atrás do prazer, mais ele escapa entre
os dedos. Viramos construtores de uma casa que se dissolve à medida que é
erguida.
Hedonismo
de tela e toque
Hoje,
o hedonismo é digital, embalado em algoritmos que nos conhecem melhor do que
nós mesmos. Não escolhemos mais o prazer — ele nos escolhe. O vídeo que
aparece, o anúncio que pisca, o desejo que não sabíamos que tínhamos. É um
hedonismo passivo, quase hipnótico. Estamos sempre prestes a satisfazer algo,
mas quase nunca satisfeitos de fato.
E
aí surge uma pergunta incômoda: será que ainda sabemos o que realmente nos dá
prazer? Ou estamos apenas reagindo a estímulos, como ratinhos em laboratório
emocional?
Quando
o prazer deixa de ser liberdade
O
hedonista consciente é raro. A maioria de nós vive num ciclo de busca e
frustração. Comer por ansiedade. Comprar para preencher o vazio. Exigir dos
momentos uma intensidade que nem sempre eles têm. Somos acumuladores de
experiências, como quem coleciona medalhas que não se pode usar.
O
prazer, que era para ser alívio, vira cobrança. “Você precisa aproveitar a
vida”, dizem. Mas às vezes tudo que queremos é o silêncio de uma tarde chuvosa,
sem ninguém exigindo que sejamos felizes o tempo todo.
Comentário
de filósofo
O
filósofo francês Michel Onfray, autor de A escultura do prazer, defende um
hedonismo ético, ligado ao corpo, à estética e à autonomia. Para ele, o
verdadeiro prazer é aquele que dá forma à existência — que não nos escraviza,
mas nos liberta. É preciso cultivar o prazer como quem cuida de um jardim: com
paciência, sensibilidade e consciência dos limites. Onfray convida a pensar o
hedonismo não como fuga, mas como arte de viver.
Em
vez de um vício, um estilo de vida
Talvez
o segredo esteja em reinventar o hedonismo. Trocar o prazer compulsivo pelo
prazer contemplativo. Descobrir que ouvir uma música com atenção pode ser tão
prazeroso quanto viajar. Que um abraço, um pão quente, um olhar sincero têm
valor — e que isso não se posta, não se monetiza, não se mede.
Ser
hedonista, no melhor sentido, talvez seja isso: saber quando dizer sim ao
prazer, quando dizer não ao excesso, e quando apenas estar — inteiro, presente,
desperto.
No
fim das contas, viver o agora não é correr atrás de tudo que brilha. É aprender
a sentir o que já está aceso dentro da gente. Mesmo que ninguém veja. Mesmo que
não dê curtidas.
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