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terça-feira, 22 de abril de 2025

Hedonistas

 

Hoje o papo é sobre os arquitetos do prazer!

Outro dia, esbarrei numa dessas frases estampadas em canecas de livraria: “Viva o agora”. E enquanto tomava meu café meio frio, fiquei pensando: esse “agora” que todo mundo quer tanto viver… será que é mesmo o agora que a gente vive, ou só uma desculpa para fugir do tédio, do compromisso, do peso do depois? Foi aí que me dei conta — estamos rodeados de hedonistas. E, para ser bem honesto, às vezes eu sou um deles.

Mas afinal, o que é ser hedonista hoje em dia? Comer um doce escondido da dieta? Maratonar uma série em plena segunda? Postar uma selfie com filtro e caption filosófico? Talvez sim. Talvez seja também um grito sutil contra um mundo que nos cobra produtividade como religião. O hedonista moderno não é só aquele que busca prazer — ele também se defende do cansaço, da culpa e do controle.

O hedonismo como resistência

Na Grécia Antiga, os hedonistas não eram influencers com drinks coloridos na mão, mas pensadores sérios. Epicuro, por exemplo, acreditava que o prazer era o bem supremo, mas o prazer inteligente — aquele que evita a dor, que cultiva amizades, que vive com simplicidade. Ele provavelmente rejeitaria boa parte do hedonismo pop de hoje, baseado em excesso, consumo e dopamina de curto prazo. Mas não dá pra negar: ainda é tudo uma grande tentativa de escapar da dor.

Há algo de profundamente humano nisso. O hedonista, em última análise, é alguém que entende que a vida é breve e quer sugar dela o néctar antes que azede. Mas eis o dilema: quanto mais a gente corre atrás do prazer, mais ele escapa entre os dedos. Viramos construtores de uma casa que se dissolve à medida que é erguida.

Hedonismo de tela e toque

Hoje, o hedonismo é digital, embalado em algoritmos que nos conhecem melhor do que nós mesmos. Não escolhemos mais o prazer — ele nos escolhe. O vídeo que aparece, o anúncio que pisca, o desejo que não sabíamos que tínhamos. É um hedonismo passivo, quase hipnótico. Estamos sempre prestes a satisfazer algo, mas quase nunca satisfeitos de fato.

E aí surge uma pergunta incômoda: será que ainda sabemos o que realmente nos dá prazer? Ou estamos apenas reagindo a estímulos, como ratinhos em laboratório emocional?

Quando o prazer deixa de ser liberdade

O hedonista consciente é raro. A maioria de nós vive num ciclo de busca e frustração. Comer por ansiedade. Comprar para preencher o vazio. Exigir dos momentos uma intensidade que nem sempre eles têm. Somos acumuladores de experiências, como quem coleciona medalhas que não se pode usar.

O prazer, que era para ser alívio, vira cobrança. “Você precisa aproveitar a vida”, dizem. Mas às vezes tudo que queremos é o silêncio de uma tarde chuvosa, sem ninguém exigindo que sejamos felizes o tempo todo.

Comentário de filósofo

O filósofo francês Michel Onfray, autor de A escultura do prazer, defende um hedonismo ético, ligado ao corpo, à estética e à autonomia. Para ele, o verdadeiro prazer é aquele que dá forma à existência — que não nos escraviza, mas nos liberta. É preciso cultivar o prazer como quem cuida de um jardim: com paciência, sensibilidade e consciência dos limites. Onfray convida a pensar o hedonismo não como fuga, mas como arte de viver.

Em vez de um vício, um estilo de vida

Talvez o segredo esteja em reinventar o hedonismo. Trocar o prazer compulsivo pelo prazer contemplativo. Descobrir que ouvir uma música com atenção pode ser tão prazeroso quanto viajar. Que um abraço, um pão quente, um olhar sincero têm valor — e que isso não se posta, não se monetiza, não se mede.

Ser hedonista, no melhor sentido, talvez seja isso: saber quando dizer sim ao prazer, quando dizer não ao excesso, e quando apenas estar — inteiro, presente, desperto.

No fim das contas, viver o agora não é correr atrás de tudo que brilha. É aprender a sentir o que já está aceso dentro da gente. Mesmo que ninguém veja. Mesmo que não dê curtidas.

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