Um ensaio filosófico com pegada de conversa sincera
Outro
dia, vi uma cena no metrô que ficou martelando na minha cabeça. Um casal
discutia baixinho, mas com aquele olhar de quem diz tudo mesmo quando não diz
nada. Um deles soltou um “tanto faz” no final. Mas o “tanto faz” vinha
envenenado, não era daqueles verdadeiros, de quem realmente não liga. Era o
“tanto faz” que queria dizer: “se você não entende, não vou explicar, mas
deveria entender”. Falsa indiferença. Essa arte de parecer que não se importa,
quando por dentro tudo arde.
A
falsa indiferença é um fenômeno curioso, quase uma performance cotidiana. É um
mecanismo de defesa, claro, mas também um jogo de poder. No trabalho, alguém
finge que não ligou para a crítica do chefe — mas passa o dia remoendo. Na
amizade, o silêncio proposital vira uma punição disfarçada. E no amor, então? É
território fértil: mensagens visualizadas e não respondidas, convites ignorados
com sorrisos neutros, o clássico “vou ver e te aviso” que nunca se concretiza.
Nietzsche,
se tivesse Instagram, talvez dissesse que a falsa indiferença é uma forma de
ressentimento elegante. Não temos coragem de dizer o que sentimos — por medo de
rejeição, por orgulho, ou por cansaço — então escolhemos parecer acima da
situação. Só que essa atitude cobra seu preço: o distanciamento que cultivamos
como escudo vira prisão. Como escreve Clarice Lispector, “perigo é não amar”.
Mas perigo também é amar e fingir que não.
A
falsa indiferença é irmã da vaidade e prima da insegurança. É uma forma de
dizer: “se eu mostrar o quanto me importo, perco o controle”. Só que ninguém
realmente está no controle. A vida, com seus acasos e espantos, escapa da nossa
tentativa de blindagem emocional. Fingir que não sentimos não anula o
sentimento — apenas o empurra para um porão interno, onde ele fermenta.
Tem
gente que aprendeu a sobreviver sendo indiferente. Cresceu num lar onde
demonstrar emoção era sinal de fraqueza. Conviveu com gente que só respeitava
quem parecia “frio e calculista”. Mas sobreviver assim é bem diferente de
viver. A indiferença, quando é verdadeira, é uma escolha consciente, às vezes
até saudável. Mas quando é falsa, nos aprisiona no teatro do “tô nem aí” — e
perdemos a chance do encontro real.
O
filósofo francês Emmanuel Levinas pode nos ajudar aqui. Para ele, a ética
começa no rosto do outro. Ou seja, não somos indiferentes por natureza: somos
convocados à responsabilidade pelo simples fato de estar diante do outro.
Fingir indiferença, nesse sentido, é uma recusa ética. Um jeito de calar a voz
interior que nos chama à empatia.
No
fim, a falsa indiferença é um pedido de socorro disfarçado. É o “me veja” que
vem camuflado no “não me importo”. É o abraço engolido, a lágrima engessada, a
palavra retida na garganta. Se queremos relações mais honestas — com os outros
e conosco — talvez o primeiro passo seja admitir que sim, nos importamos. E que
tudo bem se o outro souber disso.
Afinal,
a verdade também precisa de coragem. E, às vezes, a maior revolução íntima é
deixar cair a máscara da indiferença e dizer, com a voz trêmula mas firme:
“isso me tocou, sim. E eu estou aqui.”
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