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domingo, 13 de abril de 2025

Territoriais e Egoístas

Outro dia, entre um café passado na hora e um barulho qualquer vindo da rua, percebi que não precisava de muito para me incomodar. Bastava alguém sentar onde costumo sentar. Um desconhecido, ali, naquele canto que sempre foi meu. Claro que não era meu de fato — a cadeira é do mundo, o espaço é livre —, mas aquilo mexeu comigo. Um incômodo quase infantil, como se tivessem me tirado o cobertor preferido. E foi aí que a pulga filosófica mordeu: será que somos, todos nós, essencialmente territoriais e egoístas?

O ego no centro: um velho conhecido

Não é novidade dizer que o ego gosta de espaço. Não só espaço físico, mas simbólico: lugar na conversa, nas decisões, no mundo. O ego quer ser notado, lembrado, preferido. Quer um canto para chamar de seu. Freud já apontava isso quando falava do ego como mediador entre nossos impulsos internos e o mundo externo. Mas mesmo esse mediador às vezes se esquece da diplomacia e bate o pé: “isso é meu”.

Ser territorial é mais do que proteger um pedaço de chão. É proteger uma narrativa: “aqui sou eu, aqui está a minha marca, aqui é onde eu existo de forma mais plena.” Isso vale pro assento do ônibus, pro lugar na fila, pro armário da cozinha, pro afeto de uma pessoa. A territorialidade tem menos a ver com geografia e mais com identidade.

Egoísmo: autodefesa ou vício?

Somos treinados desde pequenos para entender que dividir é bonito. Mas entre o discurso e o gesto há um abismo. Quando chega a hora de repartir o último pedaço de pizza ou dar atenção ao problema alheio enquanto estamos exaustos, o egoísmo aparece com suas garras bem polidas. E não necessariamente como maldade — às vezes ele é só um mecanismo de sobrevivência.

Thomas Hobbes diria que o ser humano, no estado natural, é competitivo por necessidade. "O homem é o lobo do homem", dizia ele, numa sociedade onde todos lutam por segurança, reconhecimento e posse. Egoísmo, nesse contexto, é estratégia. É o modo que encontramos de garantir nossa permanência num mundo onde tudo parece escasso: tempo, amor, respeito.

Mas será que o mundo é realmente escasso, ou nós é que o dividimos com cercas invisíveis?

A ilusão da posse e os muros que criamos

Quando alguém ocupa "nosso" espaço, sentimos que perdemos algo. Mas o que exatamente? Um conforto? Uma ilusão de controle? A verdade é que muito do nosso egoísmo nasce da crença de que temos domínio sobre algo que, na prática, nunca foi só nosso.

Nietzsche dizia que “o egoísmo é a base de toda moralidade saudável”, o que soa controverso. Mas ele se referia a um egoísmo criativo, vital, que nos impulsiona a afirmar a própria existência. O problema é quando esse impulso vira exclusão. Quando, para que eu exista, o outro precisa desaparecer.

Nesse ponto, a territorialidade se torna um espelho do medo. Medo de não ser visto, de ser substituído, de ser irrelevante. Protegemos territórios como quem protege a própria sombra.

Um caminho possível: desapegar do centro

Se somos todos territorialistas e egoístas por natureza, talvez o desafio não seja negar isso, mas entender como equilibrar. Dar lugar ao outro sem perder o nosso. Compartilhar sem desaparecer. Habitar um mundo onde a existência não precise ser uma disputa constante.

A sabedoria budista fala de não-apego, de reconhecer que tudo é fluxo. Nada é fixo — nem o assento do café, nem as pessoas que amamos, nem as ideias que defendemos com unhas e dentes. Ser menos territorial talvez seja entender que o espaço que realmente importa é aquele que abrimos dentro de nós para o outro existir.


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