Hoje acordei com aquela sensação de não ter acordado. O corpo já estava de pé, o café já estava feito, os compromissos chamavam pelo nome, mas alguma parte de mim permanecia deitada — num lugar sem tempo, onde nada acontece e tudo apenas espera. Foi aí que me ocorreu: será que a alma também hiberna?
Hibernar
não é dormir. É algo mais profundo, mais existencial. É como se uma parte da
vida entrasse em modo de espera, enquanto o resto continua fingindo movimento.
Vemos isso em animais — ursos, sapos, marmotas — que se enterram no silêncio
frio para economizar energia e atravessar o inverno. Mas e nós? O que fazemos
quando o inverno não está do lado de fora, mas dentro da gente?
Em
muitos momentos da vida, entramos num tipo de hibernação psíquica. Quando
perdemos alguém, quando o mundo pesa demais, quando o entusiasmo que nos movia
parece ter sumido por motivos que nem conseguimos nomear. Continuamos indo ao
trabalho, postando nas redes, respondendo mensagens — mas algo essencial entrou
em pausa. A filosofia tradicional chamaria isso de acídia, os existencialistas
talvez falassem em angústia. Mas talvez seja mais simples (e mais honesto)
admitir: estamos apenas hibernando.
O
filósofo romeno Emil Cioran, mestre em sentir a paralisia do espírito, escreveu
que “o fato de existir é uma indiscrição imperdoável”. Ele percebia o fardo de
estar acordado demais, consciente demais. Talvez hibernar seja, então, uma
forma de proteção contra esse excesso — um jeito de salvar algo em nós do
desgaste permanente do estar no mundo.
Mas
o curioso da hibernação é que ela não é um fim. É uma suspensão, sim, mas que
guarda em si a possibilidade do retorno. A semente que não germinou no outono
não está morta. Está esperando o momento certo. E talvez essa seja a sabedoria
secreta de hibernar: entender que parar não é fracassar, que se recolher não é
se render.
Hoje,
mais do que nunca, somos pressionados a estar sempre ativos, sempre visíveis,
sempre produtivos. Hibernar vira quase um pecado capital. Mas talvez seja uma
forma de resistência. De cuidado. De escuta interior. Quando tudo diz
“acelere”, hibernar pode ser uma maneira de ouvir o que ainda não está pronto
para ser dito.
Então,
se você sentir que está num tempo estranho, em que nada floresce e tudo parece
em suspensão, não se desespere. Não tente forçar o desabrochar. Pode ser que
seu inverno seja justamente o tempo mais precioso — aquele em que a alma se
refaz, em silêncio, preparando-se para um novo ciclo.
Talvez
hibernar seja, no fim, uma das formas mais elegantes de sabedoria: saber quando
parar, confiar no invisível, e permitir que a vida nos transforme no escuro.
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