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quarta-feira, 23 de abril de 2025

Em hibernação

 

Hoje acordei com aquela sensação de não ter acordado. O corpo já estava de pé, o café já estava feito, os compromissos chamavam pelo nome, mas alguma parte de mim permanecia deitada — num lugar sem tempo, onde nada acontece e tudo apenas espera. Foi aí que me ocorreu: será que a alma também hiberna?

Hibernar não é dormir. É algo mais profundo, mais existencial. É como se uma parte da vida entrasse em modo de espera, enquanto o resto continua fingindo movimento. Vemos isso em animais — ursos, sapos, marmotas — que se enterram no silêncio frio para economizar energia e atravessar o inverno. Mas e nós? O que fazemos quando o inverno não está do lado de fora, mas dentro da gente?

Em muitos momentos da vida, entramos num tipo de hibernação psíquica. Quando perdemos alguém, quando o mundo pesa demais, quando o entusiasmo que nos movia parece ter sumido por motivos que nem conseguimos nomear. Continuamos indo ao trabalho, postando nas redes, respondendo mensagens — mas algo essencial entrou em pausa. A filosofia tradicional chamaria isso de acídia, os existencialistas talvez falassem em angústia. Mas talvez seja mais simples (e mais honesto) admitir: estamos apenas hibernando.

O filósofo romeno Emil Cioran, mestre em sentir a paralisia do espírito, escreveu que “o fato de existir é uma indiscrição imperdoável”. Ele percebia o fardo de estar acordado demais, consciente demais. Talvez hibernar seja, então, uma forma de proteção contra esse excesso — um jeito de salvar algo em nós do desgaste permanente do estar no mundo.

Mas o curioso da hibernação é que ela não é um fim. É uma suspensão, sim, mas que guarda em si a possibilidade do retorno. A semente que não germinou no outono não está morta. Está esperando o momento certo. E talvez essa seja a sabedoria secreta de hibernar: entender que parar não é fracassar, que se recolher não é se render.

Hoje, mais do que nunca, somos pressionados a estar sempre ativos, sempre visíveis, sempre produtivos. Hibernar vira quase um pecado capital. Mas talvez seja uma forma de resistência. De cuidado. De escuta interior. Quando tudo diz “acelere”, hibernar pode ser uma maneira de ouvir o que ainda não está pronto para ser dito.

Então, se você sentir que está num tempo estranho, em que nada floresce e tudo parece em suspensão, não se desespere. Não tente forçar o desabrochar. Pode ser que seu inverno seja justamente o tempo mais precioso — aquele em que a alma se refaz, em silêncio, preparando-se para um novo ciclo.

Talvez hibernar seja, no fim, uma das formas mais elegantes de sabedoria: saber quando parar, confiar no invisível, e permitir que a vida nos transforme no escuro.

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