Um ensaio filosófico sobre pensamentos que voam, pousam, desaparecem – e às vezes nos transformam.
Outro
dia, no meio de uma conversa boba sobre o que comer no jantar, senti uma ideia
bater asa dentro da cabeça. Não era nada articulado. Era como aquela sensação
de estar quase lembrando o nome de alguém. Um lampejo, um movimento súbito,
como se algo se agitasse lá dentro — e fosse embora antes que eu pudesse
segurar. Fiquei parado. “Borboletas no cérebro”, pensei. E assim fiquei, rindo
sozinho da imagem.
Borboletas
no cérebro: uma metáfora? Um diagnóstico poético? Talvez uma teoria mental que
faltava. Acontece com frequência. Estamos vivendo algo banal — lavando louça,
esperando o elevador, escovando os dentes — e de repente blip, um pensamento
que parece não vir de nós mesmos. Como se uma parte do universo invadisse o
nosso crânio com suas próprias intenções. É o pensamento que não obedece ao
comando, o que chega por capricho, como se dissesse: "Não é você quem me
pensa, sou eu que venho te visitar".
A
leveza do pensamento involuntário
Nietzsche,
lá em Além do Bem e do Mal, diz que os pensamentos vêm quando eles querem, e
não quando nós queremos. E ele vai além: “É uma falsificação pensar que somos
os que pensam. O pensamento nos atravessa”. Se é assim, então talvez o cérebro
seja mesmo um jardim — e os pensamentos, borboletas que vêm de fora, param um
pouco e depois seguem voo.
Isso
muda tudo. Porque estamos acostumados a ver a mente como um comando central. Um
lugar de controle. Mas e se a maior parte do que nos faz ser quem somos vem de
movimentos delicados, acidentais e imprevisíveis? E se somos mais casa de
passagem do que donos da razão?
O
risco de prender as asas
Há
quem tente organizar tudo. Domesticar cada borboleta como se fosse planilha.
Rotina, método, produtividade, café às 6h43. Claro, é útil. Mas nesse controle,
há um risco: espantar o que é leve. Borboletas não pousam em motores
barulhentos. Pensamentos profundos também não florescem entre barulhos e
obrigações repetitivas.
Às
vezes, precisamos de silêncio, sombra, ou até tédio, para que algo raro nos
visite. Não é à toa que muita gente tem ideias boas no banho, ou ao olhar pela
janela do ônibus. Outro dia quando estava deitado quase acordando, naquela
momento vieram pensamentos, vieram ideias com problemas e em seguida veio a
solução, olha só que coisa louca, pois é o que chamam de incubação criativa.
Então entendi, quando o mundo perde o foco e a cabeça pode vagar — aí sim, as
asas batem.
Pensamento
ou transformação?
Nem
toda borboleta é só enfeite. Algumas vêm, pousam, abrem as asas, e deixam
traços. Um pensamento pode mudar o curso de uma vida. Pode ser o estalo de
alguém que decide largar tudo e ir morar no mato. Pode ser a lembrança de uma
avó, que reaparece com cheiro de bolo e silêncio reconfortante. Pode ser uma
frase lida sem querer, que reorganiza tudo por dentro.
Essas
borboletas não são só visitantes. Elas depositam ovos. E desses ovos, nascem
outras coisas: novas visões, decisões, renascimentos. A vida é menos um projeto
e mais uma metamorfose em cadeia.
O
voo que nos escapa
Claro,
há borboletas que nunca conseguimos nomear. Ideias que só sentimos, mas nunca
conseguimos dizer. Elas passam, nos tocam, mas não deixam palavra. Talvez a
arte, a poesia, a música, tenham surgido para tentar capturar o que o
pensamento puro não consegue.
Lembro
sem certeza, que o poeta francês Paul Valéry teria dito que “o cérebro é uma
borboleta. Não é o coração que ama, é a imaginação”. Talvez tudo se
misture: o pensar, o sentir, o imaginar — e sejam, no fundo, apenas formas de
voar.
No
fim das contas, viver talvez seja isso: ter borboletas no cérebro e, mesmo sem
entender todas elas, abrir espaço para que venham, pousando sobre nossas
dúvidas, nossas perguntas sem resposta, e até sobre o silêncio. Porque o que
voa, mesmo quando vai embora, às vezes nos transforma. E deixa no ar um rastro
leve, mas impossível de esquecer.
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