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segunda-feira, 30 de junho de 2025

Salto de Fé

 

Nem sempre a gente decide. Às vezes, simplesmente não tem mais para onde ir — ou fica, ou pula. A dúvida é silenciosa, mas o momento da escolha faz barulho: um frio na barriga, uma sensação de abismo, como quem pisa no escuro esperando que o chão apareça. O salto de fé começa onde o cálculo falha. É uma aposta sem garantia, uma confiança que não nasce da lógica, mas da necessidade de seguir.

O filósofo dinamarquês Søren Kierkegaard foi quem cunhou essa expressão — salto de fé — para descrever um momento essencial na vida do indivíduo: quando a razão já não oferece respostas, e é preciso lançar-se ao desconhecido confiando apenas... em algo que não se vê. Para ele, isso era um salto para Deus. Mas, mesmo fora do campo religioso, essa imagem sobrevive. Em cada relação que começamos sem saber no que vai dar. Em cada mudança de carreira. Em cada recomeço. O salto de fé é humano, antes de tudo.

E também político. Quando votamos numa democracia, não temos garantias — apenas a esperança. Escolhemos representantes com base em promessas e gestos, confiando que irão agir em nome de um bem coletivo. A urna é um pequeno abismo onde depositamos não só o voto, mas uma expectativa: de que o sistema funcione, de que as instituições resistam, de que nossa decisão tenha algum efeito real. Votar é, nesse sentido, um salto de fé civil. Não pela fé religiosa, mas por uma confiança silenciosa no invisível funcionamento do pacto social.

Esse salto não é apenas coragem: é a capacidade de suportar a angústia. Um cálculo matemático oferece segurança. Um planejamento estratégico oferece projeções. Mas um salto de fé lida com outra dimensão — a da existência. O salto é individual, intransferível. Mesmo quando estamos rodeados de conselhos e mapas, somos nós que estamos à beira do penhasco. E não há ponte: ou saltamos, ou ficamos.

Mas o mais curioso é que nem sempre esse salto é dramático. Às vezes ele é quase imperceptível: dizer sim a algo simples, mudar o caminho de casa, escolher o silêncio. Outros exemplos são bem próximos da nossa rotina: prometer amor eterno mesmo sabendo da fragilidade humana, iniciar um curso novo sem saber se vai até o fim, ter um filho e se lançar num futuro imprevisível, dar um abraço sem saber se será retribuído. Esses pequenos gestos também são saltos de fé, porque desafiam o costume, rompem com a inércia e nos empurram para o novo — mesmo que o novo seja só uma versão de nós que ainda não conhecemos.

A inovação filosófica talvez esteja em pensar que o salto de fé não é um movimento único e heroico, mas um ritmo da vida. Não se trata apenas de um momento radical, mas de um modo de estar no mundo: viver, afinal, é saltar. Em cada manhã que acordamos sem saber o que virá. Em cada palavra que oferecemos sem ter certeza da resposta. A fé, aqui, não é uma crença cega, mas uma confiança ativa no vir-a-ser.

E o chão, esse que não vemos antes de pular, às vezes aparece. Outras vezes, a gente aprende a voar.

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