Tem
horas que a gente escuta uma frase ou presencia uma cena e a única reação
possível é: “É sério isso?” Pode ser o chefe que diz que o atraso no pagamento
"é para nosso bem". Ou o amigo que compartilha uma teoria da
conspiração com olhos brilhando de “verdade”. Ou até o sujeito que estaciona em
duas vagas e sai assobiando. Nessas horas, não dá pra evitar: a pergunta escapa
mais como desabafo do que como dúvida real.
Essa
expressão — aparentemente banal — esconde uma operação filosófica profunda. “É
sério isso?” coloca em xeque a coerência da realidade. Questiona o senso comum,
a autoridade, o absurdo. É uma micro-revolução cotidiana, onde a incredulidade
vira crítica.
A
dúvida como sinal de sanidade
No
fundo, o “é sério isso?” é um gesto de resistência. É como se o sujeito
dissesse: “Eu ainda tenho critérios. Eu não aceito tudo.” No trânsito, no
trabalho, na política, essa pequena pergunta pode ser o início de uma mudança
de percepção. O mundo vai ficando tão saturado de incoerências que manter o
espanto é quase uma forma de lucidez.
O
filósofo Michel Foucault, que estudou justamente as relações entre
verdade, poder e normalidade, poderia comentar: “A verdade não é algo a ser
descoberto, mas algo a ser construído em meio a relações de força.” Em
outras palavras, quando alguém pergunta “é sério isso?”, pode estar se
recusando a engolir uma verdade imposta, a normatividade disfarçada de bom
senso.
Cotidiano
e ruptura
Essa
frase surge em contextos triviais, mas aponta para rupturas importantes. Quando
uma professora dá aula para 50 alunos sem estrutura e ainda recebe críticas por
não “inovar”, ela talvez pense: “é sério isso?”. Quando uma mãe solo ouve que
“quem quer, dá um jeito”, o mesmo eco aparece. Há uma desconexão entre o
discurso e a realidade — e quem aponta essa falha já começou a filosofar.
O
“é sério isso?” revela que há um conflito entre o que nos dizem que deve ser
aceito e o que sentimos que não dá mais para aceitar.
Manter
o espanto
Talvez
o maior risco de viver numa sociedade saturada de absurdos seja perder a
capacidade de se espantar. Se tudo vira piada, meme, deboche, a gente pode
parar de reagir — e aceitar. E aí sim, o absurdo vence.
Por
isso, essa pergunta aparentemente simples carrega um valor filosófico: ela é o
espelho quebrado que nos impede de nos acostumar com o ilógico. Foucault
nos lembraria que a crítica é um exercício constante, e que resistir começa com
o olhar que se recusa a naturalizar.
Então
sim — perguntar “é sério isso?” pode ser uma forma séria de existir no mundo.
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