E aí, já pensou viver sem garantias?
A
vida é cheia de suposições silenciosas. Acreditamos que o elevador vai
funcionar hoje como funcionou ontem. Que o pão da padaria terá o mesmo gosto de
sempre. Que o amigo que sempre responde as mensagens continuará respondendo
amanhã. E até mesmo que o sol irá nascer. É um jogo de expectativas baseado num
truque antigo: a indução. O cérebro humano, preguiçoso e esperto, observa o
padrão e projeta o futuro. Funcionou até aqui? Então vai funcionar de novo.
Mas
eis que surge o velho fantasma do ceticismo indutivo, como sussurrou David
Hume no século XVIII: não há garantia nenhuma de que o futuro vai repetir o
passado. Nenhuma. Só temos o costume de acreditar que sim.
A
lógica não consegue provar que o sol nascerá amanhã — apenas que ele sempre
nasceu até hoje. A causa e o efeito que observamos no mundo (o fogo aquece a
água, a chuva molha o chão) não vêm com um selo metafísico de garantia eterna.
Vêm só com a repetição. Por hábito, confiamos. Por lógica, não deveríamos.
Isso
parece uma provocação de filósofo preso na biblioteca, longe do mundo real. Mas
não é. Está no trânsito: o semáforo verde não assegura que o outro motorista
irá frear no vermelho. Está na saúde: o remédio que sempre funcionou pode, de
repente, falhar. Está no amor: aquela pessoa que sempre compreendeu seus
silêncios pode um dia não entender mais.
Talvez
por isso a vida seja um equilíbrio entre dois movimentos: prever (porque sem
isso enlouqueceríamos) e desconfiar (porque sem isso seríamos pegos de
surpresa). A senhora que confere a validade do iogurte mesmo comprando sempre
na mesma marca está, sem saber, exercendo um ceticismo indutivo doméstico. O
engenheiro que revisa a ponte todo ano, mesmo ela nunca tendo caído, também.
No
fundo, toda prudência é uma espécie de dúvida diante da indução.
Karl
Popper tentou salvar a ciência desse buraco dizendo: não
provamos que uma teoria é verdadeira; apenas aceitamos que, até hoje, ela não
foi refutada. É uma forma elegante de viver com incerteza. Como quem diz: até
segunda ordem, esta ponte aguenta o peso.
Talvez
o ceticismo indutivo seja, no fim das contas, uma lição de humildade
disfarçada. Não podemos viver duvidando de tudo — mas também não podemos viver
crendo demais. A arte da existência está em navegar entre as duas margens:
confiar o suficiente para atravessar a rua, desconfiar o bastante para olhar para
os dois lados antes.
No
mundo real, o amanhã não é uma extensão garantida do hoje. É só uma promessa
provisória — e ainda assim, é nele que apostamos toda manhã.
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