Quando os olhos não conseguem enxergar...
Sabe
aquele momento estranho em que a gente olha para algo — uma cena, uma pessoa,
um gesto — e sente que tem "mais ali" do que os olhos podem captar? É
como se a visão, que tanta confiança nos dá, de repente falhasse. A realidade
parece maior do que o alcance da retina. E a cabeça também falha, porque o
pensamento lógico não dá conta desse "mais". Nessas horas, sentimos o
limite do racional, o limite do visível.
É
o que acontece quando tentamos entender um sentimento que nos ultrapassa — como
o amor que chega sem motivo, a tristeza sem causa, a fé sem prova. Ou quando
lemos um poema que nos emociona, mas que, se tentarmos explicar, escapa por
entre as palavras.
Os
gregos antigos falavam disso com respeito: há algo que está além do logos,
além da palavra, além do cálculo. Platão dizia que o verdadeiro
conhecimento não é o que os olhos veem, mas o que a alma reconhece —
reminiscência de algo maior. No Oriente, os mestres zen sempre desconfiaram da
lógica: para eles, o "satori", a iluminação, não nasce do
raciocínio, mas do instante em que o pensamento para e o real se revela nu.
Lacan
também cutucou essa ferida: o real é o que resiste ao sentido, ao símbolo, ao
entendimento. Ele está ali, no buraco do que não se diz — por isso nos
inquieta, nos escapa, nos comove.
No
cotidiano, isso se mostra nas pequenas coisas: quando você tenta consolar um
amigo em luto e percebe que nenhuma palavra serve. Quando uma criança te olha
fixo, como se soubesse algo que você esqueceu. Quando você sente uma saudade
sem nome, um medo sem forma.
Talvez
aceitar que os olhos não veem tudo, que a razão não alcança tudo, seja uma
espécie de sabedoria. Como dizia o filósofo francês Blaise Pascal: "O
coração tem razões que a própria razão desconhece".
Há
um saber além do saber. Uma compreensão que não é raciocínio, mas presença. Às
vezes, tudo o que podemos fazer é fechar os olhos e sentir — como quem tateia
no escuro, confiando mais no corpo, no instinto, do que na luz.
E
nisso há um alívio. Porque quem aceita não entender tudo já deu o primeiro
passo para entender o essencial.
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