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sábado, 21 de junho de 2025

Precisamos Perguntar

Há dias em que a gente acorda com uma dúvida que não é sobre boletos, nem sobre prazos, nem sobre o que fazer no final de semana. É aquela pergunta antiga, insistente, quase infantil: por que estamos aqui? Ou então: o que é o bem? Ou ainda: o que é ser eu mesmo? Nessas horas, qualquer manual de instruções da vida moderna falha. Não há tutorial no YouTube, nem inteligência artificial que resolva. Somos nós diante da espessura do mundo. E é curioso: o ser humano parece não suportar a falta de resposta para essas perguntas grandes e vagas. Mas... será mesmo que precisa delas?

O filósofo alemão Immanuel Kant escreveu que as questões fundamentais da filosofia são três: “O que posso saber?”, “O que devo fazer?”, “O que me é permitido esperar?”. E ele conclui: tudo isso se resume à pergunta: “O que é o homem?”. Ou seja: no fim, perguntar é inevitável — e não responder também é.

O existencialista francês Albert Camus foi ainda mais duro: segundo ele, a única grande pergunta filosófica é se vale a pena continuar vivendo. O resto é detalhe. Camus via o mundo como absurdo: não há resposta última, o universo não fala conosco — mas mesmo assim, precisamos viver como se valesse a pena. Aqui está a tensão: a mente humana quer sentido, mas o mundo não entrega.

Esse abismo entre a pergunta e a resposta virou obra de arte na filosofia oriental também. Lao Tsé, no Tao Te Ching, sugeria que o sentido não se revela em palavras — “O Tao que pode ser dito não é o verdadeiro Tao” — e que a própria busca por respostas muitas vezes nos afasta do fluxo natural das coisas. Quem busca demais, perde o que já tem. Que ironia.

Mas então: precisamos ou não precisamos de respostas?

Talvez a questão seja esta: não precisamos de respostas definitivas — mas não conseguimos viver sem perguntar. Maurice Merleau-Ponty dizia que o pensamento é uma abertura constante para o mundo, um “estar a caminho” que nunca termina. O ser humano não é uma criatura de respostas: é uma criatura de perguntas. E talvez seja exatamente isso que nos salva do tédio, do conformismo, da paralisia. O ato de perguntar é já uma maneira de viver. Ou, como diria N. Sri Ram: "As respostas não libertam o homem — mas o impulso de buscar, sim."

No cotidiano, isso aparece de modo sutil. Quando alguém perde o emprego e, no caminho de casa, se pergunta “e agora, o que faço da minha vida?” — é filosofia viva. Quando alguém termina um namoro e se surpreende pensando “quem sou eu sem essa pessoa?” — é filosofia de carne e osso. Quando uma criança pergunta “o que tem depois do céu?” no meio do almoço de domingo — eis aí uma dúvida que nem mil anos de ciência matam. A alma humana não suporta o vazio sem sentido.

Mas há pensadores que disseram: cuidado com as respostas prontas. Søren Kierkegaard alertava que quem quer fugir da angústia corre o risco de trair a própria liberdade. O desespero, dizia ele, nasce justamente quando tentamos encerrar o mistério com soluções baratas. A angústia é o sinal de que somos livres — e viver é suportá-la sem anestesia.

Nietzsche, por sua vez, desconfiava das respostas finais. “Toda verdade é uma ilusão que esquecemos que é ilusão”, escreveu ele. Para Nietzsche, as respostas absolutas são máscaras — invenções para acalmar o medo humano diante do caos da existência. Por isso, a tarefa dele era demolir certezas e ensinar a dançar no meio do abismo.

Simone Weil foi mais longe: para ela, o importante não é ter respostas, mas cultivar a atenção — uma espera sem garantia de resposta alguma. Weil via o humano como alguém suspenso no vazio, cuja grandeza está em desejar o bem sem exigir retorno, em perguntar sem impor resposta. Uma lição rara num mundo de pressa.

Talvez a tragédia não seja a falta de resposta, mas o momento em que paramos de perguntar. O filósofo brasileiro Vilém Flusser alertava que a tecnologia moderna poderia nos encher de respostas rápidas e funcionais — mas esvaziar o espírito da dúvida, da aventura do pensamento. Perder a pergunta é perder o humano.

Portanto, sim: precisamos de respostas — mas de um tipo especial. Não aquelas que encerram a questão, como quem fecha um livro para sempre, mas as que abrem novas possibilidades. Respostas que sejam pontes, não muros. Que conduzam ao espanto, não ao descanso definitivo.

A maior resposta talvez seja esta: a vida é pergunta. E enquanto houver perguntas, há caminho.

Comentário final: Rubem Alves e Paulo Freire

Rubem Alves dizia que toda pergunta verdadeira é como uma semente: não nasceu para ser enterrada num cofre de respostas, mas para germinar no terreno da imaginação. Para ele, quem não faz perguntas já morreu um pouco — virou máquina de repetir o que aprendeu. É a pergunta que mantém viva a alma de um povo, de uma criança, de um sonhador. Ele sonhava com uma escola onde se ensinasse a arte de perguntar — e não só a de responder.

Paulo Freire pensava parecido: educar, para ele, era um ato de libertação — e toda libertação começa com a capacidade de fazer perguntas sobre o mundo. Ele dizia que o oprimido só se liberta quando ousa perguntar por que as coisas são como são. O mundo muda quando alguém pergunta: "precisa ser assim?" ou "posso inventar outra realidade?". Sem a pergunta, não há transformação. Sem espanto, não há esperança.

Talvez, no fundo, o ser humano não precise de respostas para descansar. Precisa de perguntas para acordar. Fica a sensação que os seres humanos precisam de respostas para certas perguntas que dificilmente serão respondidas.


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