Pesquisar este blog

Mostrando postagens com marcador vázio. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador vázio. Mostrar todas as postagens

domingo, 20 de abril de 2025

Koan Zen

Outro dia, fui fechar a janela do quarto e notei que o vento tinha espalhado umas folhas pelo chão. Nada demais. Só que, enquanto recolhia as folhas, uma pergunta estalou na mente como se tivesse vindo com o vento: “Qual era o meu rosto antes de eu nascer?”. Simplesmente assim, sem cerimônia. Parei com a folha na mão, como quem segura um enigma. E aí me lembrei: isso é um koan.

Os koans são aquelas perguntas malucas (mas estranhamente lúcidas) do Zen budismo, feitas para arrebentar as amarras da lógica comum. Tipo: “Qual o som de uma palma só?” ou “Se você encontrar o Buda pelo caminho, mate-o.” Não é poesia, nem enigma para decifrar com inteligência. É mais como uma pedrinha lançada no lago da mente — o objetivo não é responder, mas desinstalar o programa racional.

O enigma que não quer resposta

Koans não têm respostas claras. E é exatamente isso que os torna tão potentes. Eles não querem ser compreendidos, querem ser vividos. Como uma crise existencial às três da manhã. Como um pôr do sol que te faz chorar sem saber por quê.

Diferente dos dilemas da filosofia ocidental, que muitas vezes tentam organizar o pensamento e encontrar uma saída lógica, os koans são implosões. Eles colocam a gente diante de um limite — o ponto em que o raciocínio tropeça. E nesse tropeço, abre-se o chão. Quem cai, acorda. Pelo menos é o que dizem os mestres Zen.

Koan no cotidiano: a contradição que revela

Imagine que você está esperando um ônibus que está sempre atrasado. Vem aquela raiva. Você pensa: “Por que sempre comigo?” — e já começa a se armar contra o mundo. Mas, de repente, alguém do lado diz: “O ônibus chega quando você parar de esperar.” Parece piada, mas é quase um koan. É uma afirmação que não quer te consolar, mas quebrar o eixo da sua espera ansiosa. E se o ônibus, ou qualquer outra coisa, só chega quando a gente se esvazia da expectativa?

Um amigo me contou que, quando estava se recuperando de uma separação, uma senhora japonesa da vizinhança disse apenas: “O bambu entorta, mas não quebra.” Ele riu, achou bonito, mas só meses depois entendeu. Não com a mente, mas com o corpo, com o tempo, com o sentir.

Filosofia do absurdo lúcido

Dá pra pensar os koans como aquilo que o filósofo francês Albert Camus chamaria de “o absurdo”. Mas ao invés de se angustiar com o silêncio do universo, o Zen sorri para ele. O koan é esse sorriso, desconcertante e silencioso.

O brasileiro Huberto Rohden, em sua ponte entre mística oriental e filosofia ocidental, falava da necessidade de uma “inteligência intuitiva”, capaz de perceber além dos conceitos. Os koans vivem exatamente aí — onde a mente se rende, e o coração começa a ouvir.

Quando o koan vira espelho

A mágica (ou o terror) de um koan é que ele sempre devolve a pergunta pra você. “Quem está ouvindo este som?” “Quem você é quando não está sendo ninguém?” — São perguntas que não apontam para fora, mas fazem o espelho se transformar em abismo.

E talvez o mais inovador seja isso: o koan é uma anti-filosofia que filosofa por choque, por quebra, por vazio. É como se dissesse: “Enquanto você tentar entender, não vai perceber.” É um chamado para estar, não para saber.

Conclusão? Nem pensar.

No espírito dos koans, talvez o melhor seja terminar este ensaio com um vazio. Ou com outra pergunta:

Se você fechar os olhos agora, onde você está?

Talvez a resposta venha com o vento. Ou com a folha que escapou pela janela.


sexta-feira, 11 de abril de 2025

Coisas Perdidas

Perdemos coisas todos os dias. Algumas deslizam de nossas mãos e caem no chão, outras se esvaem em lapsos de memória, e há aquelas que nunca percebemos que existiram. São as coisas que escapam ao olhar e se escondem nos vãos do conhecimento. Mas como detectar aquilo que, por definição, é ignorado? Como perceber o que nunca foi visto?

O que os olhos não alcançam

O olhar é seletivo. Captura apenas o que julga importante, aquilo que faz sentido dentro do quadro do já conhecido. Uma sombra projetada sobre a parede pode esconder um detalhe, uma nuvem pode encobrir uma estrela, e um viés mental pode obliterar uma ideia. Isso significa que nossa percepção é, ao mesmo tempo, um farol e um anteparo: ilumina o que deseja e obscurece o que não lhe interessa.

No cotidiano, esse fenômeno ocorre de forma banal. Um amigo passa ao nosso lado e não o reconhecemos porque estamos absortos no próprio pensamento. Um detalhe arquitetônico da cidade onde vivemos por anos pode passar despercebido até que um visitante o aponte. As palavras ditas em um tom mais baixo durante uma conversa podem se perder, assim como nuances emocionais escapam quando estamos focados apenas no conteúdo das frases.

Conhecimento e suas fronteiras

O conhecimento não é apenas uma soma de fatos; é um mapa cheio de zonas em branco. O que sabemos orienta nossa busca, mas também delimita nossos horizontes. Quando um conceito novo emerge, percebemos que faltava algo no entendimento anterior, mas, até então, essa ausência não era sequer intuída.

As ciências nos ensinam isso repetidamente. Durante séculos, acreditava-se que o ar era apenas um espaço vazio, até que se descobriu sua composição química. Da mesma forma, os astrônomos do passado observavam o céu sem imaginar que ali, entre os pontos brilhantes, havia planetas invisíveis aos seus instrumentos. E, mesmo agora, com todo o avanço tecnológico, ainda há mistérios que permanecem além de nossa detecção, seja nas profundezas do oceano ou nas dimensões quânticas da matéria.

O instante sem contagem do tempo

Há momentos em que o tempo parece suspenso, um intervalo onde não há passado nem futuro, apenas um presente expandido. E, paradoxalmente, é nesse espaço sem tempo que lembranças emergem, o presente se intensifica e o futuro se insinua. Um instante de silêncio profundo pode conter toda a memória de uma vida, assim como um olhar pode antecipar um destino.

Muitas vezes, deixamos de perceber esses momentos porque estamos demasiado preocupados em medir o tempo, contá-lo, aprisioná-lo em cronômetros e agendas. No entanto, se nos permitimos habitar esse espaço sem contagem, podemos acessar um universo imenso que se esconde nas entrelinhas da experiência. A sensação de déjà vu, o pressentimento inexplicável, a lembrança que surge do nada — tudo isso aponta para a vastidão que existe além do tempo contado.

Como detectar o que se ignora?

Se o olhar e o conhecimento são limitados, o que nos resta para perceber o imperceptível? A resposta pode estar na atenção ao vazio, no estranhamento, no erro. Algo perdido pelo olhar pode ser detectado quando notamos o que deveria estar lá e não está. Um ruído cortado abruptamente pode revelar um som antes ignorado; uma resposta hesitante pode indicar um pensamento nunca articulado; um padrão que se repete pode apontar para algo que sempre esteve lá, mas nunca foi questionado.

Nietzsche dizia que a filosofia começa quando nos permitimos estranhar o óbvio. Questionar o que parece dado, virar os olhos para onde nunca olhamos antes, escutar o silêncio ao redor das palavras. Às vezes, o que está perdido não precisa ser encontrado, apenas percebido pela primeira vez.