Nem sim, nem não — mas outra coisa
Recordo
que certo dia, no trabalho, meu chefe me pediu algo que, no fundo, não fazia o
menor sentido. Não era absurdo, não era imoral, apenas… vazio. Um protocolo.
Uma dessas ordens que vêm por vício, não por necessidade. Aquela coisa que você
obedece por inércia ou desobedece por birra.
Eu
quase fui pelo sim. E depois, quase fui pelo não.
Mas
parei.
Fiquei
em silêncio por três segundos — o que, no ritmo da empresa, é uma eternidade —
e disse: “Me explica por que isso é importante?”
Ele
piscou. Não esperava. Talvez nem ele soubesse por quê. E foi aí que percebi:
obedecer seria passar por cima de mim. Desobedecer seria passar por cima dele.
Mas perguntar foi passar por dentro da situação.
Existe
um caminho entre o “sim, senhor” e o “não vou fazer”.
É
o caminho de quem decide com consciência. De quem não se curva nem se rebela,
mas se coloca.
A
terceira via tem cara de pergunta
Ela
não levanta a voz, mas também não abaixa a cabeça.
Ela
pergunta, considera, pensa, reavalia. Às vezes chega ao “sim”, outras ao “não”,
mas o que importa é como chegou lá.
Na
família, por exemplo. Você já foi chamado para um almoço onde não queria ir?
Não porque odeia a comida, mas porque a conversa te esgota, o ambiente te
aperta, você sente que está lá só para cumprir tabela?
A
obediência vai por educação. A desobediência inventa uma desculpa.
A
terceira via liga antes e diz: “Queria te ver de verdade, sem pressa. Que tal
um café só nós dois na quarta?”
Repare:
não é fuga. É criação.
Fazer
o que se deve — mas porque se escolhe
O
filósofo francês Michel Foucault falava disso quando propunha o “cuidado de
si”. Para ele, liberdade não é fazer tudo o que se quer. É cultivar uma escuta
interior tão afiada que você se torna capaz de decidir — e não apenas reagir. A
obediência age por medo. A desobediência por impulso. A terceira via, por
consciência.
Na
prática, ela é menos dramática e mais sutil. É aquela resposta que não se
espera. Aquela sugestão que muda o rumo da conversa. Aquela decisão que
respeita os outros sem se trair.
Um
amigo meu, professor, conta que um aluno dele um dia disse: “Não vou fazer a
tarefa.”
Ele respirou e disse: “Tudo bem. Mas me conta o que você faria no lugar.”
E o aluno, meio pego de surpresa, acabou propondo outra forma de aprender —
melhor, aliás.
Nem
obedeceu nem desobedeceu. Criou.
No
fim das contas…
…a
terceira via é o lugar onde mora a autenticidade.
Nem
passiva, nem agressiva. Apenas viva.
Não
se trata de dizer sim ou não. Mas de estar presente o bastante para entender o
que a situação realmente pede — e o que você está disposto a oferecer.
É
mais fácil seguir ordens. É mais fácil romper com tudo. Difícil mesmo é pensar
no meio do caminho. Mas é nesse meio que a liberdade amadurece.
Política:
entre o gado e o grito
Vivemos
uma época em que a política virou torcida. Ou você bate palma pra tudo que seu
time faz, ou vira hater profissional do outro lado. Mas e se a gente não quiser
ser nem mascote nem hater?
Um
conhecido meu, eleitor engajado, me disse: “Se criticar meu candidato, você
está ajudando o inimigo.”
Respondi:
“E se eu criticar pra ajudar ele a ser melhor?”
Essa
é a terceira via política: aquela que critica sem querer destruir, e que elogia
sem idolatrar.
Ela
não se baseia na fidelidade cega, nem no cancelamento automático.
Ela
existe onde o debate ainda respira, onde pensar vale mais que gritar.
Não
é centrão. É centro de gravidade.
Religião:
entre o dogma e o deboche
Numa
cerimônia religiosa, o padre pediu que todos se ajoelhassem. Um senhor idoso ao
meu lado não se ajoelhou, mas também não ficou de pé, desafiador. Ele apenas
sentou com reverência, olhos fechados, mãos no peito.
Ele
não estava desobedecendo. Estava interpretando com o corpo aquilo que fazia
sentido pra ele. Nem fanático, nem debochado. Um tipo raro de fé: silenciosa,
adaptada, presente.
A
terceira via da espiritualidade não é “sou religioso” nem “sou ateu revoltado”.
É:
“Estou buscando, estou ouvindo, estou escolhendo o que me transforma com
honestidade.”
Ela
entra no templo… e sai com perguntas.
Escola:
entre copiar e desafiar
Uma
aluna de 13 anos se recusou a fazer a lição de matemática. A professora,
paciente, perguntou por quê.
“Porque
eu já sei fazer. Posso tentar um desafio mais difícil?”
Não
era birra. Era vontade de aprender.
A
escola tradicional adestra. A rebeldia anárquica rejeita tudo. A terceira via
educa para o discernimento.
É
ensinar a perguntar: “Por que estou aprendendo isso?”
E,
se a resposta fizer sentido, seguir com interesse próprio, não só por
obrigação.
Amor:
entre ceder e confrontar
Num
relacionamento, às vezes surge aquela encruzilhada: ou eu cedo e me anulo, ou
eu me imponho e crio guerra.
Mas
existe o outro jeito: conversar antes que a crise vire abismo.
É
perguntar: “O que em mim você está tentando mudar?”
E
também perguntar a si mesmo: “Estou disposto a mudar isso por mim, ou só por
medo de perder?”
A
terceira via amorosa é vulnerável, mas firme.
Ela
não obedece por carência, nem desobedece por orgulho. Ela constrói acordos que
respeitam ambos os lados — inclusive o seu.
Entre
a cruz e a espada, invente um banquinho
A
vida parece nos empurrar para escolhas binárias: isso ou aquilo. Mas a
maturidade começa quando você entende que pode não escolher nenhuma das opções
prontas — e ainda assim agir com responsabilidade.
A
terceira via é a arte de inventar o próprio jeito de estar no mundo.
Nem
servil, nem reativo. Mas criador.
E
como disse Fernando Pessoa, num de seus momentos mais lúcidos:
“Navegar
é preciso; viver não é preciso.”
Ou
seja: viver não é seguir rotas. É estar atento à bússola interior — mesmo
quando o mapa só mostra o sim e o não.