Um ensaio sobre a perda de direção no mundo contemporâneo
Tem
dias em que a gente acorda e tudo parece funcionar bem: o café está quente, o
celular carrega, as notificações pulam na tela. O dia começa. Mas, lá no fundo,
algo parece fora do lugar. Um incômodo leve — como uma pedra no sapato da alma.
Está tudo certo… mas nada está bem.
Essa
sensação é mais comum do que parece. E não é frescura moderna. É um sintoma. Um
indício de que talvez estejamos perdendo algo essencial: o sentido. Não o
sentido da vida como pergunta grandiosa e inalcançável, mas o sentido
cotidiano, aquele que organiza o que fazemos, escolhemos e amamos.
Vivemos,
mas para quê?
A
pressa que esvazia
No
tempo das redes e da produtividade, ninguém mais tem tempo de perguntar por que
está correndo tanto. E mais: nem coragem. Questionar demais dá medo, porque
podemos descobrir que estamos vivendo a vida de outro — ou nenhuma em especial.
Estamos
ocupados demais para pensar. Produzimos, entregamos, performamos. Como diz Byung-Chul
Han, filósofo sul-coreano que vive na Alemanha, entramos na era da autoexploração
voluntária. Somos os algozes e as vítimas de nós mesmos. Trabalhamos como
se fôssemos máquinas otimistas que nunca quebram — até quebrarmos.
Essa
engrenagem precisa que a gente não pense. Pensar atrapalha o desempenho. E mais
perigoso ainda: pensar pode gerar vontade de mudar.
O
vazio decorado
A
sociedade atual decorou o vazio. Tornou-o instagramável. Disfarçou a falta de
sentido com filtros, metas, mantras de autoajuda e recompensas instantâneas. É
um vazio bonito, organizado, motivado — mas ainda assim vazio.
Falta
algo que conecte nossas ações a uma ideia de valor. Valor, aqui, não é preço. É
propósito. Um tipo de alicerce invisível que sustenta os porquês.
Nietzsche
já nos alertava: matar Deus (no sentido simbólico, ou seja, perder as
referências maiores) não nos torna livres — nos lança no deserto. Um deserto
ético, emocional, espiritual. Sem bússola, tudo vira areia.
A
volta da filosofia prática
Diante
disso, uma proposta ousada: trazer a filosofia de volta para o cotidiano.
E não como luxo acadêmico, mas como instrumento de sobrevivência. Perguntas
como “o que é uma vida boa?”, “o que me move?” ou “o que vale a pena?” precisam
voltar para a mesa do café, para os corredores do trabalho, para os grupos de
WhatsApp.
Precisamos
reaprender a pensar. E pensar junto. Porque o sentido não nasce do ego isolado
— ele floresce no encontro: com o outro, com o mundo, com algo maior do
que a própria agenda pessoal.
Um
novo começo
Não
se trata de negar a técnica, nem fugir da modernidade. Mas de recuperar o
humano dentro do mundo técnico. De voltar a valorizar o invisível: o cuidado, o
silêncio, a amizade, o tempo lento.
O
“sentido esquecido” não está perdido para sempre. Está apenas soterrado — sob
metas, algoritmos e distrações. Recuperá-lo exige uma pequena coragem: parar. E
perguntar. Só isso já é revolucionário.
Talvez
a pergunta mais urgente do nosso tempo não seja “o que vamos fazer com o
mundo?”, mas “o que o mundo está fazendo com a gente?”. E se a resposta
for desconfortável, ótimo. Porque é do desconforto que nasce o verdadeiro
pensamento.
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