A gente costuma dizer que está sem tempo como quem diz que perdeu a carteira — com pressa, indignação e certo pânico. Mas o tempo não é uma moeda que a gente carrega no bolso. Ele nos atravessa, escorre pelas ações, pelas distrações, pelas pausas mal aproveitadas e até pelas obrigações alheias que vamos aceitando em nome da convivência, da produtividade ou da culpa. Talvez não seja que nos falta tempo, mas que ele nos é tomado — espoliado, como se houvesse uma constante pilhagem silenciosa acontecendo dentro do nosso cotidiano.
Espoliar
o tempo é mais do que desperdiçá-lo. É ser roubado em plena luz do dia, sem
sequer notar que estamos sendo levados — em atenção, em presença, em sentido. É
o scroll infinito das redes, o acúmulo de reuniões que poderiam ser silêncios,
os compromissos vazios de propósito. E mais: é o modo como o tempo dos outros
se impõe sobre o nosso, como se houvesse um direito tácito de ocupá-lo.
O
filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, em sua obra A Sociedade do
Cansaço, oferece uma lente potente para pensar isso. Ele mostra como o
sujeito contemporâneo, ao se tornar empreendedor de si mesmo, entra numa lógica
de autoexploração. Não é mais o patrão que toma seu tempo — é você mesmo,
convertido em gerente e escravo ao mesmo tempo. A espoliação, então, deixa de
ser um ato externo e passa a ser um consentimento interno, um assalto com
autorização.
A
inovação necessária talvez seja recuperar o tempo como um bem coletivo
interior. Como propôs o próprio Han, precisamos reaprender a “habitar o tempo”,
e não apenas geri-lo. Isso significa voltar a dar valor ao ócio contemplativo,
ao ritmo próprio das coisas, à escuta do corpo e à desobediência temporal —
dizer “não” ao cronograma imposto, recusar o convite para correr onde não há
urgência real.
Ser
senhor do próprio tempo, hoje, é quase um ato revolucionário. Reivindicar
minutos livres de finalidade, horas sem culpa, dias em que o tempo nos pertence
por inteiro. Porque enquanto não cuidarmos do tempo como quem cuida da própria
alma, ele continuará sendo espoliado — e nem perceberemos o que estamos
perdendo.
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