Por que resistir é uma escolha estúpida (segundo Sêneca)
Tem
dias em que a vida bate com gosto. Você perdeu o ônibus, levou uma bronca
injusta no trabalho, o amor da sua vida decidiu que te ama… mas como amigo.
Nessas horas, a gente se debate por dentro, faz cena por fora, e sofre – como
se isso mudasse alguma coisa. Mas Sêneca, o velho estoico romano, talvez te
desse um tapinha nas costas (ou uma bronca) e dissesse: "Você está
escolhendo sofrer".
O
inevitável não consulta a sua opinião
O
problema não é o que acontece. O problema é o que você esperava que
acontecesse. A chuva não é trágica; trágico é ter saído sem guarda-chuva
achando que o céu ia colaborar. Sêneca nos convida a olhar o que é fato, e o
que é fantasia da nossa expectativa. Para ele, lutar contra o inevitável — a
perda, a dor, a morte, a frustração — é como discutir com o mar para que ele
pare de fazer ondas.
No
ensaio Da Tranquilidade da Alma, ele diz:
"Não
é a coisa em si que nos perturba, mas o juízo que fazemos dela."
A
tempestade vem. Cabe a nós abrir o guarda-chuva da lucidez ou ficar molhado só
para provar um ponto que ninguém está vendo.
A
dor da perda: quando o mundo realmente muda
Agora,
sejamos justos. Há perdas que desmontam a alma. A morte de quem a gente ama não
é só ausência — é silêncio onde havia voz, espaço vazio onde havia presença, é
mesa posta para dois quando só resta um. Perder alguém não é só um
acontecimento: é uma mudança de mundo.
Sêneca
perdeu o filho ainda pequeno. E mesmo assim, escreveu que a morte não deveria
ser lamentada com desespero. Parece frio? Talvez. Mas ele dizia que o amor
verdadeiro não termina quando o corpo se vai. E mais: que a dor não deve ocupar
o lugar da gratidão.
"Chorar
é natural," ele diria, "mas eternizar a
tristeza é injusto com quem se foi e com quem ficou."
A
perda nos visita como um ladrão — sem avisar, sem bater na porta. E o que ela
leva, às vezes, é mais do que podíamos dar. Mas depois do luto inevitável, há
uma decisão silenciosa: continuar carregando o que perdemos como uma ferida
aberta ou como uma lembrança digna.
Sofrer
é humano, mas insistir é teimosia
Há
algo de revolucionário em perceber que sofrimento não é destino, mas resposta.
É como se a dor tocasse a campainha e você decidisse se vai abrir a porta ou
não. Sofrer, às vezes, é natural. Mas Sêneca propõe uma escolha: não
transformar dor em drama, nem fracasso em identidade.
Não
se trata de virar uma pedra sem emoção. Trata-se de entender que resistir ao
que já é consome mais energia do que aceitar e agir a partir disso.
Aceitação, aqui, não é rendição. É estratégia. É tomar o real como ponto de
partida, não como sentença.
A
escolha entre dano e desastre
Uma
demissão é um dano. Sofrer por ela por meses pode ser um desastre. Um término é
um fato. Arrastar esse fim como corrente por anos é um projeto de autoflagelo.
Uma perda é inevitável. Transformá-la em culpa, castigo ou fim de si mesmo é
opcional.
Aceitar
o inevitável é, paradoxalmente, a forma mais inteligente de preservar nossa
liberdade interior.
Sêneca
diria que sofrer por algo inevitável é um duplo infortúnio: primeiro a dor do
mundo, depois a dor do orgulho. E a pior parte é que o segundo golpe, quem dá
somos nós mesmos.
Quando
o inevitável somos nós que perdemos
Nem
sempre é uma pessoa que se vai. Às vezes, a perda é de algo que não chegou a
existir: um projeto de vida, uma carreira que parecia promissora, um sonho que
foi gasto antes de nascer. Nesses casos, o luto é silencioso. Ninguém manda
flores para quem perdeu a fé em si mesmo.
Você
olha para trás e percebe que aquele "você de antes" também morreu —
aquele mais ingênuo, mais esperançoso, mais confiante. E o que dói é justamente
ter de continuar vivendo com quem você se tornou, ainda sem saber muito bem
quem é.
Sêneca
não ignoraria essa dor. Ele mesmo enfrentou exílios, humilhações públicas,
traições. O que ele propõe não é virar mármore, mas lembrar que sofrer é um
estágio, não um endereço fixo.
"O
homem forte não é o que não sente a dor, mas o que não se escraviza a
ela." — diria ele.
Aceitar
o inevitável, nesse caso, é abrir espaço para o novo eu que pode nascer depois
da perda. Não se trata de esquecer o que foi, mas de deixar de lutar contra o
que é.
A
aceitação como um ato de amor-próprio
Aceitar
o inevitável é muitas vezes o primeiro passo para amar-se novamente. A ferida
não vai embora porque você quer. Mas cicatriza quando você para de cutucar.
É
possível olhar para a dor da perda com reverência, e não com rancor. É possível
agradecer por ter amado alguém ao invés de se amargurar por não poder amar
mais. É possível entender que perder algo não é ser menos, mas é ser alguém que
teve algo precioso. E que, por isso mesmo, sentiu sua ausência.
No
fim, aceitar o inevitável não é se curvar. É se levantar de outro jeito.
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