Pesquisar este blog

sábado, 12 de julho de 2025

Aceitar o inevitável

Por que resistir é uma escolha estúpida (segundo Sêneca)

Tem dias em que a vida bate com gosto. Você perdeu o ônibus, levou uma bronca injusta no trabalho, o amor da sua vida decidiu que te ama… mas como amigo. Nessas horas, a gente se debate por dentro, faz cena por fora, e sofre – como se isso mudasse alguma coisa. Mas Sêneca, o velho estoico romano, talvez te desse um tapinha nas costas (ou uma bronca) e dissesse: "Você está escolhendo sofrer".

O inevitável não consulta a sua opinião

O problema não é o que acontece. O problema é o que você esperava que acontecesse. A chuva não é trágica; trágico é ter saído sem guarda-chuva achando que o céu ia colaborar. Sêneca nos convida a olhar o que é fato, e o que é fantasia da nossa expectativa. Para ele, lutar contra o inevitável — a perda, a dor, a morte, a frustração — é como discutir com o mar para que ele pare de fazer ondas.

No ensaio Da Tranquilidade da Alma, ele diz:

"Não é a coisa em si que nos perturba, mas o juízo que fazemos dela."

A tempestade vem. Cabe a nós abrir o guarda-chuva da lucidez ou ficar molhado só para provar um ponto que ninguém está vendo.

A dor da perda: quando o mundo realmente muda

Agora, sejamos justos. Há perdas que desmontam a alma. A morte de quem a gente ama não é só ausência — é silêncio onde havia voz, espaço vazio onde havia presença, é mesa posta para dois quando só resta um. Perder alguém não é só um acontecimento: é uma mudança de mundo.

Sêneca perdeu o filho ainda pequeno. E mesmo assim, escreveu que a morte não deveria ser lamentada com desespero. Parece frio? Talvez. Mas ele dizia que o amor verdadeiro não termina quando o corpo se vai. E mais: que a dor não deve ocupar o lugar da gratidão.

"Chorar é natural," ele diria, "mas eternizar a tristeza é injusto com quem se foi e com quem ficou."

A perda nos visita como um ladrão — sem avisar, sem bater na porta. E o que ela leva, às vezes, é mais do que podíamos dar. Mas depois do luto inevitável, há uma decisão silenciosa: continuar carregando o que perdemos como uma ferida aberta ou como uma lembrança digna.

Sofrer é humano, mas insistir é teimosia

Há algo de revolucionário em perceber que sofrimento não é destino, mas resposta. É como se a dor tocasse a campainha e você decidisse se vai abrir a porta ou não. Sofrer, às vezes, é natural. Mas Sêneca propõe uma escolha: não transformar dor em drama, nem fracasso em identidade.

Não se trata de virar uma pedra sem emoção. Trata-se de entender que resistir ao que já é consome mais energia do que aceitar e agir a partir disso. Aceitação, aqui, não é rendição. É estratégia. É tomar o real como ponto de partida, não como sentença.

A escolha entre dano e desastre

Uma demissão é um dano. Sofrer por ela por meses pode ser um desastre. Um término é um fato. Arrastar esse fim como corrente por anos é um projeto de autoflagelo. Uma perda é inevitável. Transformá-la em culpa, castigo ou fim de si mesmo é opcional.

Aceitar o inevitável é, paradoxalmente, a forma mais inteligente de preservar nossa liberdade interior.

Sêneca diria que sofrer por algo inevitável é um duplo infortúnio: primeiro a dor do mundo, depois a dor do orgulho. E a pior parte é que o segundo golpe, quem dá somos nós mesmos.

Quando o inevitável somos nós que perdemos

Nem sempre é uma pessoa que se vai. Às vezes, a perda é de algo que não chegou a existir: um projeto de vida, uma carreira que parecia promissora, um sonho que foi gasto antes de nascer. Nesses casos, o luto é silencioso. Ninguém manda flores para quem perdeu a fé em si mesmo.

Você olha para trás e percebe que aquele "você de antes" também morreu — aquele mais ingênuo, mais esperançoso, mais confiante. E o que dói é justamente ter de continuar vivendo com quem você se tornou, ainda sem saber muito bem quem é.

Sêneca não ignoraria essa dor. Ele mesmo enfrentou exílios, humilhações públicas, traições. O que ele propõe não é virar mármore, mas lembrar que sofrer é um estágio, não um endereço fixo.

"O homem forte não é o que não sente a dor, mas o que não se escraviza a ela." — diria ele.

Aceitar o inevitável, nesse caso, é abrir espaço para o novo eu que pode nascer depois da perda. Não se trata de esquecer o que foi, mas de deixar de lutar contra o que é.

A aceitação como um ato de amor-próprio

Aceitar o inevitável é muitas vezes o primeiro passo para amar-se novamente. A ferida não vai embora porque você quer. Mas cicatriza quando você para de cutucar.

É possível olhar para a dor da perda com reverência, e não com rancor. É possível agradecer por ter amado alguém ao invés de se amargurar por não poder amar mais. É possível entender que perder algo não é ser menos, mas é ser alguém que teve algo precioso. E que, por isso mesmo, sentiu sua ausência.

No fim, aceitar o inevitável não é se curvar. É se levantar de outro jeito.

Nenhum comentário:

Postar um comentário