O Espelho dos Outros
Há
dias em que a gente acha que quer uma coisa, mas, olhando bem, parece que só
quis porque viu alguém querendo. Um amigo compra um carro novo e, de repente,
nosso velho automóvel já não parece tão confiável. Uma colega muda de carreira
e logo o nosso trabalho começa a parecer pequeno, sem graça. O desejo parece
autêntico — mas será mesmo? Ou será que, como quem boceja ao ver alguém
bocejar, desejamos o desejo alheio?
Essa
é a tese provocadora do pensador francês René Girard, que cunhou o termo
desejo mimético. Segundo Girard, não desejamos diretamente as coisas —
desejamos o que o outro deseja. O objeto em si (o carro, o cargo, o parceiro, o
estilo de vida) não tem valor intrínseco para nós até que o vejamos desejado
por alguém que admiramos ou com quem competimos. O desejo, então, é uma forma
de espelho, mas um espelho deformado, porque reflete não o que somos, mas o que
imaginamos que deveríamos ser para sermos desejáveis.
A
inovação aqui não está apenas em notar que imitamos, mas em perceber que a
imitação do desejo é motor de conflitos, invejas, disputas e até violências.
Girard chega a sugerir que as sociedades aprendem a conter esse ciclo mimético
canalizando-o para bodes expiatórios — figuras ou grupos que recebem a culpa
coletiva e são sacrificados, real ou simbolicamente, para restaurar a paz
social.
Mas
vamos sair um pouco da teoria e voltar à vida real. Já reparou como certas
tendências só parecem irresistíveis quando muitos já aderiram? Como uma pessoa
se torna “interessante” quando outros demonstram interesse por ela? Ou como o
valor de algo sobe quando há escassez simbólica, mesmo que o objeto em si não
tenha mudado?
A
inovação filosófica do conceito de Girard está em deslocar o foco do desejo
como algo interno, autônomo, para algo profundamente relacional e teatral. Isso
abre um espaço de libertação: se reconhecemos que muitos dos nossos desejos
são imitativos, podemos nos perguntar — de quem estou imitando este desejo? E
por quê?
Essa
pergunta simples pode ser o começo de um pensamento mais livre. Em vez de
seguir o cardume dos desejos alheios, talvez possamos mergulhar em silêncio no
que realmente nos move — naquilo que não precisa de plateia para ter valor.
Como
diria o próprio Girard: “Não sabemos o que desejamos; imitamos o desejo dos
outros para saber o que desejar.” E se, por um momento, parássemos de imitar e
apenas escutássemos? Talvez então descobríssemos que o nosso verdadeiro
desejo... não se parece com o de ninguém.
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