O que é sentir vermelho?
Você
já tentou explicar a alguém o que é “vermelho”? Não o nome da cor, nem o
comprimento de onda da luz, mas o que é ver vermelho. O que é essa
sensação que acontece entre o olhar e o entendimento? A dificuldade em explicar
isso revela algo curioso: há experiências que só podem ser sentidas, não
traduzidas. Os filósofos deram a isso um nome estranho, mas elegante: qualia.
Os
qualia são as tintas invisíveis que coloram nossa consciência. Quando você toma
um café amargo e quente, o sabor é mais do que química na língua. É uma
sensação sua, que só você sabe como é. Quando escuta a risada de um filho, o
que brota dentro de você não é apenas um som identificado pelo cérebro, mas
algo que vibra por dentro, com um tom que só você reconhece. E quando sente
dor, medo ou alegria, há uma qualidade que escapa a qualquer análise de sangue,
a qualquer exame de imagem. Ela não é mensurável. É vivida.
Link
do youtube de músicas agradáveis para ouvir enquanto lê:
https://www.youtube.com/watch?v=cIZp868Eeic&list=RDcIZp868Eeic&start_radio=1
Prosseguindo.
Isso cria situações engraçadas: você pode saber que alguém está vendo a mesma
flor que você, mas nunca saberá se ela está vendo a mesma cor. Pode até
discordar. “Isso é rosa-choque.” “Não, é fúcsia!” Mas a discussão é só sobre
nomes. A verdadeira dúvida é: será que o que você sente como rosa é o que eu
sinto como rosa?
No
cotidiano, os qualia aparecem nos momentos mais comuns — e mais misteriosos. Um
gosto que traz saudade de infância. Um cheiro que evoca uma pessoa. O som de
uma música que parece tocar um lugar exato dentro de você. Nenhuma inteligência
artificial, por mais avançada, sente isso. Ela pode dizer “isto é jazz
melancólico”, mas nunca vai sentir a melancolia.
O
mais espantoso é que todos nós vivemos cercados de qualia, mas raramente nos
damos conta. É como respirar: só notamos quando falta. E, às vezes, nos
afastamos tanto de nós mesmos que deixamos de escutar esse mundo sensível que
pulsa por dentro. Sentimos menos, ou sentimos no automático. Quando isso
acontece, a vida vira apenas sequência de tarefas. Tudo continua funcionando…
mas perde a cor.
O
filósofo Thomas Nagel provocou o mundo com uma pergunta simples: “Como
é ser um morcego?”. Não para entender o animal, mas para lembrar que há uma
diferença entre saber tudo sobre uma coisa e sentir a coisa. A
ciência explica muita coisa. Mas os qualia são um lembrete de que o mundo
vivido não cabe todo em fórmulas. Como diz o filósofo brasileiro Luiz Felipe
Pondé:
“A experiência não é o fato em si, mas o
modo como ele nos atravessa.”
No
fim das contas, os qualia são como janelas para dentro: ninguém vê o que você
sente, mas é isso que te faz ser quem você é.
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