Um Ensaio sobre o Encontro que Nunca Termina
Às
vezes, durante uma caminhada sem rumo, ou enquanto esperamos a água do café
ferver, nos pegamos pensando em coisas que parecem grandes demais para um ser
humano: o tempo, a morte, o amor… e Deus. E quando essa ideia surge,
mesmo que timidamente, logo aparece outra pergunta na sombra: será que pensar
em Deus é tarefa da religião ou da filosofia? Ou seria da experiência de estar
vivo?
Este
ensaio não pretende responder essa pergunta de forma definitiva. Aliás, nenhuma
filosofia digna desse nome parte para responder, mas para ampliar o modo de
perguntar. E se Deus, longe de ser apenas um ente supremo fora do mundo, fosse
também um nome que damos à própria busca por sentido? Um nome provisório para o
que nos ultrapassa e, ainda assim, nos habita?
A
ideia de Deus como pergunta e não como resposta
Tradicionalmente,
a filosofia começa com um certo espanto, como disse Aristóteles. Mas
esse espanto não é só diante do mundo, da natureza ou da existência — ele
também aparece quando tentamos compreender o que está por trás de tudo isso.
Deus, nesse sentido, não entra como uma explicação pronta, mas como um mistério
que tensiona o pensamento.
Na
filosofia de Spinoza, por exemplo, Deus é a própria substância da
natureza, uma totalidade infinita que se expressa em tudo. Já em Pascal,
há um salto de fé diante da razão limitada — “o coração tem razões que a
própria razão desconhece”. Deus aparece ali onde a razão falha, mas não como um
fim, e sim como um convite à humildade.
Então
talvez pensar Deus seja, antes de tudo, um exercício de ampliação dos próprios
limites do pensar. É pensar o impensável, e nesse esforço, conhecer melhor quem
pensa.
A
filosofia como o modo de tocar Deus sem possuí-lo
A
teologia busca conhecer Deus a partir da fé. A filosofia, no entanto, se
aproxima com desconfiança — não no sentido negativo, mas no sentido de quem
examina, sonda, testa. Santo Agostinho, que é tanto filósofo quanto
teólogo, disse certa vez: "Se o compreendeste, não é Deus."
Essa afirmação carrega uma pista valiosa: Deus, para a filosofia, nunca é
objeto que se deixa capturar, mas sim uma presença que transforma quem tenta
compreendê-la.
Deus,
nesse caminho, não é uma entidade para se possuir, mas um horizonte para o qual
nos voltamos quando as certezas se desfazem. E é nessa caminhada — feita de
dúvidas, perplexidades e silêncio — que a filosofia se torna uma oração sem
palavras, ou, como diria Simone Weil, uma atenção pura.
E
se Deus fosse o nome da liberdade?
Uma
proposta inovadora seria pensar Deus não como causa do mundo, mas como sua
possibilidade de liberdade. Nesse ponto, podemos nos inspirar em alguns
filósofos contemporâneos que recusam tanto a existência dogmática quanto o
ateísmo superficial. Giorgio Agamben, por exemplo, vê na ideia de Deus
uma força que suspende as regras do mundo, abrindo brechas onde o inesperado
pode acontecer. Deus seria, então, o nome de tudo aquilo que rompe com o
necessário e permite o novo.
Na
vida cotidiana, sentimos isso quando algo nos toca profundamente sem sabermos
por quê — uma música, um encontro, um gesto de perdão. Nessas brechas, talvez
Deus apareça, não como um velho homem no céu, mas como a surpresa que desarma a
lógica comum.
Pensar
Deus é pensar-se
Filosofar
sobre Deus não é discutir a existência de um ser superior sentado num trono
invisível. É, antes, uma forma de refletir sobre o que nos constitui, nos
inquieta e nos impulsiona. Deus, para a filosofia, é menos uma certeza do que
uma tensão: a tensão entre o que somos e o que poderíamos ser.
E
talvez a pergunta mais filosófica de todas não seja "Deus existe?",
mas sim: "Que tipo de ser humano me torno ao pensar Deus?" Porque no
fim das contas, como dizia o filósofo Paul Tillich, Deus é aquilo em que
depositamos nossa preocupação última. E nisso, todos já temos um Deus — ainda
que nem sempre o nomeemos assim.
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