...sobre a vastidão do sentido
Toda
vez que tentamos colocar em palavras o que sentimos, o que pensamos ou o que
simplesmente paira no ar entre um olhar e outro, corremos o risco de sermos
prolixos. Repetimos ideias, giramos em torno de um ponto, tentamos explicar com
mais uma metáfora, mais um exemplo, como se a verdade estivesse escondida na
próxima frase. E, ao mesmo tempo, sentimos que nunca será o suficiente. Porque
aquilo que nos atravessa — o desejo, a dúvida, a lembrança, o medo, o amor — é
inesgotável. E talvez seja por isso que a linguagem, com todos os seus
excessos, ainda é a tentativa mais honesta que temos de tocar o intangível.
Esse
ensaio é sobre isso: sobre o prolixo que não é apenas excesso, mas busca; e o
inesgotável que não é apenas volume, mas profundidade.
A
prolixidade como gesto de resistência
Chamar
alguém de prolixo costuma soar como crítica. Como se houvesse uma medida justa
da fala, do texto, do pensamento. Mas e se a prolixidade não for falha, e sim
um modo de dizer que ainda não terminou? Que há camadas não resolvidas no
assunto, que a vida exige voltas e digressões, como uma rua que insiste em não
ser reta porque tem histórias demais para ignorar?
A
linguagem prolixa resiste à lógica da produtividade. Ela diz: “Espere. Ainda
não terminei. Há mais uma nuance.” Em um mundo que valoriza o resumo, o pitch,
o slogan, ser prolixo é recusar-se a empobrecer o sentido. É como escrever
cartas longas em tempos de mensagens curtas. O prolixo acredita que cada
desvio é uma chance de encontro.
O
inesgotável: o que permanece mesmo depois do fim
Há
coisas que nunca se esgotam. Um livro relido, um cheiro que não conseguimos
nomear, uma amizade que muda, mas não desaparece. O inesgotável não está apenas
nas coisas grandes, mas nos pequenos detalhes que nunca são iguais — como o
modo como alguém diz “bom dia” ou o som que o silêncio faz numa tarde chuvosa.
O
filósofo Gaston Bachelard dizia que a imaginação é um poder de rever.
E talvez o inesgotável resida justamente aí: na possibilidade de ver de novo,
sob outro ângulo, algo que pensávamos já ter compreendido. O inesgotável é o
que retorna com outra face. Não cansa de existir.
Onde
os dois se encontram
Quando
falamos demais sobre algo, às vezes é porque esse algo não cabe no limite da
nossa razão. Falar é tentar delimitar, e ser prolixo é assumir que falhar faz
parte da tarefa. O prolixo e o inesgotável se encontram na tentativa constante
de dizer o indizível — seja no amor, na arte, na filosofia ou na própria
experiência do viver.
A
escritora Clarice Lispector foi uma das maiores representantes desse
esforço. Ela escrevia como quem escavava dentro de si, dando voltas, criando
frases que pareciam se contradizer, mas que, no fundo, apenas refletiam o
abismo de onde nasciam. Sua escrita era prolixa porque o tema era inesgotável:
o ser humano.
Então,
que nunca nos baste
Talvez
devêssemos abandonar o ideal da precisão e abraçar, de vez, a fluidez daquilo
que não se fecha. O prolixo não é o que enche espaço à toa, é o que aceita a
complexidade. E o inesgotável é o que nos salva da estagnação, lembrando-nos de
que sempre há mais a ser dito, sentido, vivido.
Que
nunca nos baste.
Que
a fala seja longa, o pensamento, repetido, e a vida — sempre — maior que a
última palavra.
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