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sábado, 26 de julho de 2025

Prolixa e Inesgotável


...sobre a vastidão do sentido

 

Toda vez que tentamos colocar em palavras o que sentimos, o que pensamos ou o que simplesmente paira no ar entre um olhar e outro, corremos o risco de sermos prolixos. Repetimos ideias, giramos em torno de um ponto, tentamos explicar com mais uma metáfora, mais um exemplo, como se a verdade estivesse escondida na próxima frase. E, ao mesmo tempo, sentimos que nunca será o suficiente. Porque aquilo que nos atravessa — o desejo, a dúvida, a lembrança, o medo, o amor — é inesgotável. E talvez seja por isso que a linguagem, com todos os seus excessos, ainda é a tentativa mais honesta que temos de tocar o intangível.

Esse ensaio é sobre isso: sobre o prolixo que não é apenas excesso, mas busca; e o inesgotável que não é apenas volume, mas profundidade.

 

A prolixidade como gesto de resistência

Chamar alguém de prolixo costuma soar como crítica. Como se houvesse uma medida justa da fala, do texto, do pensamento. Mas e se a prolixidade não for falha, e sim um modo de dizer que ainda não terminou? Que há camadas não resolvidas no assunto, que a vida exige voltas e digressões, como uma rua que insiste em não ser reta porque tem histórias demais para ignorar?

A linguagem prolixa resiste à lógica da produtividade. Ela diz: “Espere. Ainda não terminei. Há mais uma nuance.” Em um mundo que valoriza o resumo, o pitch, o slogan, ser prolixo é recusar-se a empobrecer o sentido. É como escrever cartas longas em tempos de mensagens curtas. O prolixo acredita que cada desvio é uma chance de encontro.

 

O inesgotável: o que permanece mesmo depois do fim

Há coisas que nunca se esgotam. Um livro relido, um cheiro que não conseguimos nomear, uma amizade que muda, mas não desaparece. O inesgotável não está apenas nas coisas grandes, mas nos pequenos detalhes que nunca são iguais — como o modo como alguém diz “bom dia” ou o som que o silêncio faz numa tarde chuvosa.

O filósofo Gaston Bachelard dizia que a imaginação é um poder de rever. E talvez o inesgotável resida justamente aí: na possibilidade de ver de novo, sob outro ângulo, algo que pensávamos já ter compreendido. O inesgotável é o que retorna com outra face. Não cansa de existir.

 

Onde os dois se encontram

Quando falamos demais sobre algo, às vezes é porque esse algo não cabe no limite da nossa razão. Falar é tentar delimitar, e ser prolixo é assumir que falhar faz parte da tarefa. O prolixo e o inesgotável se encontram na tentativa constante de dizer o indizível — seja no amor, na arte, na filosofia ou na própria experiência do viver.

A escritora Clarice Lispector foi uma das maiores representantes desse esforço. Ela escrevia como quem escavava dentro de si, dando voltas, criando frases que pareciam se contradizer, mas que, no fundo, apenas refletiam o abismo de onde nasciam. Sua escrita era prolixa porque o tema era inesgotável: o ser humano.

 

Então, que nunca nos baste

Talvez devêssemos abandonar o ideal da precisão e abraçar, de vez, a fluidez daquilo que não se fecha. O prolixo não é o que enche espaço à toa, é o que aceita a complexidade. E o inesgotável é o que nos salva da estagnação, lembrando-nos de que sempre há mais a ser dito, sentido, vivido.

Que nunca nos baste.

Que a fala seja longa, o pensamento, repetido, e a vida — sempre — maior que a última palavra.


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