Um olhar sobre as diferentes conotações desse verbo em nosso cotidiano
Tem
palavras que são como portas abertas — você passa por elas sem nem perceber.
“Explorar” é uma dessas. A gente diz que vai explorar uma cidade nova nas férias,
explorar as funcionalidades de um aplicativo, explorar um tema na faculdade.
Mas também fala de exploração de pessoas, de trabalho, de sentimentos. A mesma
palavra serve para aventura e para abuso. E talvez seja esse o ponto de partida
de um pensamento mais profundo: por que algo tão cheio de energia pode carregar
também um veneno?
Explorar
vem do latim explorare, que significava “examinar”, “investigar com
atenção”. Era algo relacionado ao ouvir (ex- + plorare, clamar ou
gritar), como se o ato de explorar fosse escutar atentamente os sinais do
mundo. Com o tempo, essa escuta virou movimento — e o movimento, em muitos
casos, virou dominação. O explorador europeu que partia para “descobrir” terras
já habitadas, o patrão que explora a mão de obra barata, o curioso que explora
o outro emocionalmente só para satisfazer a própria fome de controle. A
fronteira entre conhecer e abusar nem sempre é clara.
Mas
há uma conotação mais sutil e até libertadora nesse verbo. Explorar também pode
ser a atitude de quem se permite viver com abertura. Quem explora uma ideia
nova é alguém disposto a sair da própria bolha. Quem explora a si mesmo, com
honestidade, não se contenta com as máscaras que aprendeu a vestir. Neste caso,
explorar é quase sinônimo de liberdade: não se trata de conquistar o outro, mas
de descobrir os próprios limites — e quem sabe, superá-los.
Nietzsche
dizia que é preciso viver como um explorador de abismos. Não para dominá-los,
mas para olhar para dentro deles com coragem. Explorar, nesse sentido, é um
exercício de existência: mergulhar no desconhecido com os próprios olhos, mesmo
quando o desconhecido somos nós mesmos.
O
filósofo brasileiro José Arthur Giannotti chama atenção para esse tipo
de ambiguidade em palavras que parecem simples. Em seus estudos sobre linguagem
e ética, ele lembra que certos termos, como “explorar”, carregam uma tensão
entre o gesto técnico e o gesto moral. Para Giannotti, o perigo está em
naturalizar a linguagem da dominação, tornando aceitável a violência escondida
em gestos cotidianos. Assim, quando alguém diz que “explora um talento”, a
frase parece neutra — mas se perguntarmos a favor de quem?, a conotação
muda.
Num
mundo que valoriza tanto a produtividade, muitas vezes explorar vira sinônimo
de extrair — sugar tudo até a última gota. É o turista que não vive a cidade,
apenas a consome. É o algoritmo que explora nossos dados. É o capital que
explora o tempo das pessoas. Quando a exploração vira prática sistemática de
consumo, algo se perde do sentido original: a escuta. Em vez de escutar,
impõe-se. Em vez de descobrir, exaure-se.
Por
isso, talvez seja hora de recuperar um uso mais ético e sensível desse verbo.
Explorar como quem caminha numa floresta: com curiosidade, mas também com
respeito. Como quem toca um instrumento novo: experimentando, mas ouvindo as
notas que ele pode ou não dar. Explorar não precisa ser sinônimo de tomar. Pode
ser um modo de estar no mundo, mais atento, mais presente, mais disposto
a acolher o que se revela — sem violar.
No
fim das contas, explorar é um verbo ambíguo porque a gente também é. Entre o
impulso de dominar e o desejo de conhecer, vivemos nessa tensão constante. A
chave, talvez, esteja em lembrar que toda exploração envolve um risco — mas
também uma escolha: a de escutar antes de invadir.
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