...segundo Nietzsche
Você
já reparou como, às vezes, as pessoas mais frágeis são as que mais manipulam?
Não com força, não com argumentos, mas com uma espécie de chantagem emocional
que prende os outros em culpa, dever ou piedade. É aquela tia que vive doente e
sempre faz você se sentir mal por não visitá-la mais. É o colega de trabalho
que parece inofensivo, mas sabota silenciosamente todo projeto que o faz se
sentir ameaçado. Essas pessoas não são más no sentido clássico. Mas criam
armadilhas. Nietzsche as conhecia bem. E talvez tenha sido um dos primeiros a
nomear essas estratégias com a clareza de quem entende que a moral também pode
ser uma tática de guerra — dos fracos contra os fortes.
A
armadilha como invenção da fraqueza:
Nietzsche,
especialmente em obras como A Genealogia da Moral e Além do Bem e do
Mal, faz uma distinção fundamental entre a moral dos senhores e a moral dos
escravos. Para ele, os fortes — aqueles que criam valores a partir de sua
potência vital — são espontâneos, afirmativos, agem. Já os fracos, ressentidos
pela impossibilidade de exercer sua vontade de poder, constroem valores
reativos: negam, condenam, moralizam.
A
armadilha dos fracos, portanto, é um sistema de valores baseado no
ressentimento. Ao não poderem ser fortes, erguem como virtudes aquilo que os
protege: humildade, obediência, piedade, sofrimento. E mais: fazem com que os
fortes se sintam culpados por sua própria força. Criam uma moral que aprisiona.
E quem não se enquadra, é tido como cruel, egoísta, “sem compaixão”.
Ressentimento
e poder invertido:
Nietzsche
vê com clareza: o fraco não quer igualdade, quer inversão. Quer que o forte se
curve, peça desculpas, peça permissão para viver sua potência. O ressentido —
diz ele — é perigoso porque sua alma gira em torno da vingança. E sua vingança
é moral. A religião, segundo Nietzsche, foi uma das formas mais eficazes dessa
armadilha: “Bem-aventurados os pobres de espírito”, diz o Sermão da Montanha.
Mas, no fundo, essa beatitude é uma inversão rancorosa: como não posso ser
grandioso, direi que os grandiosos são pecadores. E esperarei, com fervor
disfarçado, que caiam.
A
compaixão como faca de dois gumes:
Nietzsche
não condena a compaixão como emoção ocasional, mas sim como moral organizada.
Uma moral baseada na compaixão constante aprisiona. “Cuidado com os que sofrem
demais”, diria ele, “porque eles usam o sofrimento como cetro”. A armadilha
está no uso estratégico da dor. Quem sofre vira santo, e quem vive intensamente
vira monstro.
Isso
se reflete em muitos contextos contemporâneos. A política do vitimismo, os
discursos que transformam todo conflito em opressão unilateral, o uso da dor
como moeda social. Tudo isso são formas modernas da armadilha dos fracos. E
mais: são formas de capturar a energia dos fortes, culpabilizando-os por
simplesmente existirem com potência.
O
filósofo comenta: Clóvis de Barros Filho
Clóvis
de Barros, ao refletir sobre o pensamento de Nietzsche, alerta: “O que
Nietzsche nos convida é a assumir nossa responsabilidade ética sem delegar isso
a códigos prontos”. Isso significa que, ao identificar a armadilha dos fracos,
não devemos cair na armadilha oposta — do desprezo puro e simples. O desafio é
maior: viver com autenticidade sem cair na culpa, ajudar sem ser manipulado,
reconhecer o sofrimento alheio sem torná-lo centro moral absoluto.
A
armadilha dos fracos, segundo Nietzsche, não é apenas uma denúncia — é um
chamado à lucidez. Viver exige força, mas também exige clareza sobre as forças
que nos cercam. Nem todo fraco é vil, mas quando a fraqueza se organiza como
poder moral, ela se torna uma prisão. E escapar dessa prisão talvez seja o
maior desafio ético do nosso tempo. Porque ser livre, como Nietzsche diria, é
também ter coragem de carregar o peso da própria grandeza — sem se curvar às
pequenas morais do ressentimento.
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