O impasse de estar vivo hoje
Vivemos
tempos que nos oferecem mais possibilidades do que nunca — e, paradoxalmente,
mais angústias. Os dilemas modernos não são apenas problemas a serem
resolvidos, mas conflitos entre valores igualmente válidos que se chocam no dia
a dia. É como escolher entre duas verdades, sabendo que qualquer escolha trará
perda.
Um
exemplo simples: vida profissional ou qualidade de vida? Queremos
crescer, ser reconhecidos, conquistar uma estabilidade. Mas isso quase sempre
exige horas a mais no trabalho, menos tempo com os filhos, menos horas de sono,
menos vida. Trabalhar menos parece irresponsável. Trabalhar demais parece
insano. E o dilema se mantém.
Ou
ainda: liberdade de expressão ou respeito ao outro? As redes sociais
viraram uma arena em que dizer o que se pensa é confundido com dizer o que se
quer, de qualquer forma. Mas até onde vai a liberdade? E quando ela começa a
ferir? Defender o direito de falar não significa esquecer a responsabilidade do
que se diz. Um dilema que escapa das regras formais e entra no campo ético.
Há
também o dilema entre conexão e solidão. Temos mil formas de nos
comunicar, mas muitos não sabem mais ficar a sós. Estamos conectados o tempo
todo, mas nos sentimos sozinhos. Queremos estar juntos, mas a presença física
virou quase um luxo. É difícil dizer o que é melhor: estar com todos ao mesmo
tempo ou estar plenamente com um só?
Outro
dilema silencioso: autenticidade ou aceitação social? Ser quem se é pode
significar ser deixado de lado, não se encaixar, ser estranho. Fingir, adaptar,
performar — tudo isso traz recompensas sociais. Mas a que custo? A
originalidade virou marketing, a vulnerabilidade, conteúdo. Há quem nunca saiba
se está vivendo ou sendo visto vivendo.
O
filósofo Zygmunt Bauman dizia que os dilemas modernos são líquidos:
mudam de forma, escorrem por entre os dedos, não se fixam. Por isso, não são
resolvidos, mas administrados. Cabe a cada um de nós descobrir quais perdas
estamos dispostos a aceitar para sustentar o que consideramos importante.
Porque,
no fundo, todo dilema é uma escolha que exige coragem. Coragem de viver com a
dúvida, com o risco e com a consciência de que não há resposta perfeita — só
caminhos possíveis.
E
quando perguntam “tá tudo bem?” e a gente engole o mundo
Tem
dias em que a pergunta “tá tudo bem?” soa quase como um deboche do universo.
Porque não tá. Porque nada parece fazer sentido. Porque você acorda, respira
fundo, vai, mas tudo pesa. E ainda assim, você responde: “tudo bem”.
Por
educação, por cansaço, por não querer explicar. Ou porque a verdade, nua e
crua, não cabe num bom dia apressado. Dizer “tá tudo bem” virou um código
social: ninguém espera uma confissão. Mas, por dentro, há uma avalanche. Às
vezes, a gente só quer que alguém segure o nosso olhar por um segundo a mais,
pra perceber o que não foi dito.
É
aí que, de forma estranha, Nietzsche começa a fazer sentido. Ele que
parecia tão extremo, tão sombrio, tão desconfortável. Mas que escreveu: “aquele
que tem um porquê para viver pode suportar quase qualquer como”. Em dias de
silêncio interno, de sentido escorregando pelos dedos, a gente entende a
importância de um “porquê”. E o que machuca é justamente a falta dele.
Responder
com sinceridade é coragem. Mas também é risco. Porque nem todo mundo sabe
escutar uma verdade crua no meio da rotina. Às vezes a gente tenta e recebe um
“ih, fase ruim, né?”, como se fosse algo leve. A verdade, para ser dita,
precisa encontrar quem esteja disposto a carregá-la com a gente, mesmo que por
um momento.
Mas
guardar tudo também cobra seu preço. Fica no corpo. Vira dor nas costas, falta
de ar, insônia. A alma vai se entortando na tentativa de parecer reta.
Talvez
o meio do caminho seja aprender a dizer: “não tá tudo bem, mas tô tentando”. É
simples, honesto, e ainda assim respeita o próprio tempo de elaboração. Porque
nem sempre temos as palavras certas, mas às vezes só precisamos da permissão
para não estar bem.
E
se Nietzsche faz sentido quando tudo parece sem sentido, é porque ele
também passou por esses abismos. E de lá tirou uma coisa importante: o fundo do
poço às vezes revela estrelas que a superfície esconde.
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