Entre a cidade dos homens e a cidade do coração: um passeio com Agostinho
Você
já sentiu que está vivendo num mundo desordenado demais? Que as notícias
parecem repetir o mesmo ciclo de violência, poder e vaidade, como se tudo
estivesse de cabeça para baixo? Já pensou que talvez isso não seja apenas um
problema político ou social, mas um problema do espírito?
Pois
é. Lá no século V, enquanto o Império Romano caía, um pensador africano
chamado Agostinho de Hipona escrevia uma obra gigantesca chamada Cidade
de Deus. Não era apenas uma resposta à crise de seu tempo, mas um convite
para ver o mundo por outro ângulo: o da eternidade.
E
por mais distante que isso pareça — em tempo, linguagem e religião —, talvez
seja mais atual do que nunca.
Duas
cidades em tensão: o mundo interior e o mundo exterior
A
tese principal de Agostinho é simples e revolucionária: existem duas cidades
convivendo dentro da história:
- A Cidade dos Homens, marcada
pelo orgulho, pelo egoísmo, pela busca de glória e poder. É a cidade da
política, do império, da vaidade, da corrupção — aquela que vemos nas
manchetes.
- E a Cidade de Deus, feita por
aqueles que amam a verdade, a justiça e a humildade. Não é um lugar
geográfico, mas um modo de existir — uma cidade invisível, habitada
por corações voltados ao bem.
Agostinho
diz que ambas estão misturadas no mundo, como o trigo e o joio. E o drama da
história humana é justamente esse: viver entre elas, sentindo a tensão,
mas mantendo os olhos voltados para o alto — não no sentido de fugir, mas de
não se perder.
Inovando:
a cidade digital e a cidade do silêncio
Agora,
se Agostinho estivesse escrevendo hoje, talvez ele falasse da cidade digital
— esse espaço onde todo mundo fala, mostra, reage, compete por atenção e
"curtidas", como se estivesse num mercado de vaidades.
É
a nova versão da Cidade dos Homens: um lugar onde o eu é inflado, onde a pressa
substitui a paciência, e a exposição vale mais que a verdade. Mas, mesmo aí,
Agostinho diria: a Cidade de Deus ainda pulsa, nos bastidores — no silêncio,
na escuta, na compaixão desinteressada.
Ela
vive naquele que resiste à lógica da performance. Que ajuda sem filmar. Que
pensa antes de reagir. Que olha para o mundo com desejo de justiça, e não com
fome de likes.
A
bússola agostiniana
A
Cidade de Deus não é uma utopia política, nem um projeto de governo celestial.
Ela é, para Agostinho, um critério ético e espiritual. Um jeito de
discernir o que vale e o que não vale, o que permanece e o que passa.
Enquanto
a Cidade dos Homens constrói impérios que ruem, a Cidade de Deus forma almas
que perduram. E isso vale para qualquer época: Roma caiu. O nosso mundo
também cambaleia. Mas, no meio da instabilidade, sempre há quem viva com fé,
justiça e amor — os verdadeiros cidadãos dessa cidade sem fronteiras.
Plantar
a cidade dentro de si
No
fim das contas, A Cidade de Deus é menos sobre o Céu e mais sobre como
vivemos aqui e agora. Ela propõe que o sentido da história não está nos
impérios, mas nas intenções. E que, embora sejamos habitantes do mundo, nossa
verdadeira cidadania é moral e espiritual.
Hoje,
entre ruídos digitais e crises existenciais, talvez o mais revolucionário seja
isso: manter o coração voltado para a eternidade, mesmo enquanto caminha por
entre as ruínas do presente.
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