Um ensaio sobre a verdade que escapa!
Há
um momento em que a filosofia abandona as grandes teorias e se ajoelha diante
do espelho. É nesse instante, íntimo e incômodo, que surgem as confissões
filosóficas. Elas não são apenas relatos pessoais de quem pensa demais, mas são
também lampejos de uma verdade que não se alcança pela razão pura, nem pela
experiência bruta, mas por algo entre o vivido e o pensado — um lugar onde a
alma filosofa consigo mesma.
Confessar,
em sua origem latina confiteri, é um ato de expor a verdade diante de
outro, ou até mesmo de si. Mas aqui não falamos de pecados, como nas confissões
religiosas, nem de crimes, como nas confissões policiais. Falamos daquelas
verdades silenciosas que nos habitam e que, quando verbalizadas, não nos
libertam — apenas nos desnudam.
Nietzsche,
em Ecce Homo, escreve como quem oferece não uma
autobiografia, mas uma revelação de estilo: “por que sou tão inteligente?”,
“por que escrevo livros tão bons?”. A ironia não é orgulho, é exposição: ele
joga fora as máscaras para revelar outras máscaras. A confissão filosófica,
nesse sentido, não pretende chegar à essência do eu, mas mostrar que esse eu é,
no fim, uma construção — fragmentária, cênica, teatral.
Agostinho,
no entanto, ao escrever suas Confissões, buscava Deus. Sua alma
ansiava por uma ordem no caos dos desejos. Já Montaigne, nos Ensaios,
buscava a si mesmo: “Eu sou a matéria do meu livro”. Mas o que ambos fazem — um
religioso, outro cético — é admitir, com estilo próprio, que pensar é também
uma forma de sentir.
Talvez
o ensaio mais inovador seja justamente aquele que não esconde o tremor da mão
que escreve. Um filósofo, ao confessar, não declara certezas, mas dúvidas que o
fundam. E essas dúvidas não se organizam como um tratado. Elas se insinuam como
diálogos internos, como vozes que não se calam. O filósofo confessor não está
acima do mundo, mas dentro dele — sujo de vida, perdido entre conceitos que já
não explicam tudo.
As
confissões filosóficas inovam quando deixam de querer ensinar e passam a
compartilhar. Quando trocam a forma do argumento pela forma do gesto. Quando o
filósofo diz: “Não sei”, mas esse não saber carrega séculos de pensamento e
lágrimas silenciosas.
No
cotidiano, essas confissões aparecem quando alguém diz:
“Tenho
medo de não estar vivendo minha própria vida.”
“Às
vezes, finjo que acredito no que digo.”
“Tenho
vergonha do que me tornei para caber no que esperavam de mim.”
Essas
frases, simples, poderiam estar num diário qualquer. Mas quando atravessadas
por reflexão, tornam-se filosóficas: carregam o peso da existência e o desejo
de verdade.
Por
isso, a confissão filosófica não precisa ser escrita em latim, nem publicada em
volumes grossos. Pode acontecer num café solitário, numa conversa interrompida,
numa madrugada sem sono. O que a torna filosófica é o silêncio que ela rompe —
e o silêncio que ela deixa.
Talvez,
no fundo, toda filosofia verdadeira seja uma confissão. E talvez a inovação
filosófica esteja menos em inventar novos sistemas, e mais em ter coragem de
dizer, enfim: “eu também estou perdido, mas continuo pensando”.
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