Heráclito de Éfeso, pensador do século VI a.C., é frequentemente lembrado pela máxima “tudo flui” (pánta rheî), indicando que tudo está em constante transformação. A partir desse princípio, podemos entender que Heráclito ofereceu uma das sementes mais antigas daquilo que viria a ser, séculos depois, desenvolvido como dialética.
O
conflito como motor da realidade
Heráclito
dizia que a guerra (pólemos) é o pai de todas as coisas. Ele enxergava o
mundo como um campo de tensões entre opostos — quente e frio, seco e úmido, dia
e noite. Mas, diferente da mera oposição binária, esses contrários coexistem e
se transformam um no outro. O que é quente esfria, o que é seco umedece. Há uma
unidade no conflito, uma harmonia oculta nas tensões — o que ele chamou de harmonia
dissonante (harmonia aphanes).
Essa
visão antecipa a estrutura fundamental da dialética: o confronto entre opostos
que não se anulam, mas se implicam. A tensão entre tese e antítese, por
exemplo, é justamente o que move a síntese — uma ideia que será plenamente
sistematizada apenas com Hegel, dois milênios depois.
Heráclito
e o vir-a-ser
Enquanto
Parmênides defendia que o ser é uno e imutável, Heráclito
sustentava que a essência do real é o devir. Você não entra duas vezes no mesmo
rio, pois tanto o rio quanto você estão mudando. Essa visão coloca o movimento
e a transformação no centro da realidade — e, por extensão, também do
pensamento.
A
dialética heraclitiana, mesmo sem esse nome, é uma lógica do vir-a-ser. Não há
repouso, não há identidade fixa. Tudo é processo, e a verdade não é um ponto
imóvel, mas um caminho em constante atualização.
A
influência posterior
Platão,
embora mais alinhado com Parmênides em sua teoria das ideias, herdou de Heráclito
a sensibilidade para o mundo sensível como domínio da mutação e da aparência —
algo a ser superado para alcançar o mundo inteligível. Já os estóicos, séculos
depois, vão reinterpretar Heráclito como o filósofo do Logos cósmico, a
razão que organiza a mudança.
Mas
é com Hegel que a relação entre Heráclito e a dialética se torna
explícita. Hegel declarou:
“Não
há nenhuma proposição de Heráclito que eu não tenha adotado em minha
lógica.”
Heráclito,
portanto, é um antecessor da dialética não só por dizer que tudo muda, mas por
afirmar que essa mudança é estruturada, racional e paradoxal. Ele viu na
contradição não um erro, mas uma verdade profunda do real.
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