Outro dia, sentado num café, observei uma cena curiosa. Dois amigos discutiam sobre um filme: um via nele uma obra-prima, o outro, um desastre. Nenhum dos dois era capaz de aceitar completamente o ponto de vista do outro. Fiquei pensando em como nossa identidade se constrói não apenas pelo que afirmamos ser, mas também pelo que negamos. Esse embate entre identidade e diferença é uma tensão fundamental da existência humana e um dos pilares da filosofia de Hegel.
Hegel
compreende a identidade não como algo fixo, mas como um processo. Em sua
"Ciência da Lógica", ele nos mostra que a identidade pura, isolada de
tudo, se torna vazia. Para que algo seja idêntico a si mesmo, ele precisa
passar pelo confronto com o outro. Ou seja, identidade só existe na relação com
a diferença. Esse movimento é dialético: a identidade se constitui ao se
diferenciar e integrar essa diferença.
A
alteridade, nesse jogo, tem um papel crucial. O outro não é apenas um espelho
onde nos enxergamos, mas também um desafio, um obstáculo que nos obriga a nos
transformar. Em "Fenomenologia do Espírito", Hegel descreve esse
processo no famoso exemplo da dialética do senhor e do escravo. O
reconhecimento do outro é uma batalha, um embate de consciências que lutam pelo
direito de serem vistas. Identidade, portanto, não é um dado, mas algo que se
conquista através do reconhecimento.
No
cotidiano, vivemos esse movimento o tempo todo. Ao entrar em um novo grupo, nos
perguntamos: quem sou eu aqui? Como sou visto? A resposta nunca é unívoca, pois
somos sempre atravessados pelo olhar do outro. Hegel nos ensina que a
identidade é fluida porque depende desse reconhecimento recíproco. Por isso,
quanto mais nos fechamos em uma ideia fixa de nós mesmos, mais nos afastamos do
próprio processo que nos define.
A
grande lição hegeliana é que identidade e diferença não são opostas, mas parte
de um mesmo movimento. O eu só é eu porque há o outro. A tensão entre
identidade, diferença e alteridade é, no fim das contas, o que impulsiona a
história e o desenvolvimento do espírito humano. Então, da próxima vez que
discordar de um amigo sobre um filme, talvez seja bom lembrar: a diferença não
nega a identidade, ela a faz existir.