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sexta-feira, 28 de março de 2025

Essência e Existência

Sabe aquele momento em que você se olha no espelho e se pergunta: "Eu sou mesmo quem acho que sou?" Ou quando, no meio de uma conversa, surge o pensamento estranho: "E se eu simplesmente não existisse?" Essas perguntas que parecem brotar de uma mente inquieta já atormentavam filósofos há séculos. E um dos que mais se debruçou sobre essa questão foi Avicena (Ibn Sina), o grande pensador persa do século XI.

Avicena estabeleceu uma distinção fundamental entre essência e existência. Para ele, a essência de algo (o que uma coisa é) e sua existência (o fato de que ela é) são separadas. A essência de um cavalo, por exemplo, não implica que ele existe de fato – ele poderia apenas ser uma ideia na mente de alguém. Isso significa que a existência não está automaticamente contida na essência de um ser contingente; para existir, ele precisa receber a existência de algo que já existe por si mesmo.

Aqui entra o conceito de Ser Necessário, uma das contribuições mais marcantes de Avicena. Se tudo no mundo precisa receber a existência de algo anterior, então deve haver um ser cuja existência não dependa de nada – um ser que seja existência pura, sem distinção entre essência e existência. Esse Ser Necessário, para Avicena, é Deus. Sem Ele, nada mais poderia existir, pois tudo o que encontramos no mundo é contingente, ou seja, poderia não existir.

O impacto dessa ideia foi profundo na filosofia ocidental. Tomás de Aquino, por exemplo, absorveu e reelaborou a distinção entre essência e existência em sua própria filosofia, influenciando séculos de pensamento cristão. No entanto, o que torna Avicena tão inovador é a sua abordagem quase matemática do problema: ele raciocina como um lógico rigoroso, deduzindo as implicações metafísicas do ser de maneira metódica.

Agora, voltemos àquela olhada no espelho. Se seguirmos Avicena, a pergunta "quem sou eu?" ganha novos contornos. Não basta apenas saber nossa essência (ser humano, pensante, consciente), mas entender que nossa existência não é garantida por nós mesmos. Em última análise, existimos porque algo nos concedeu essa existência. Somos, de certo modo, dependentes do Ser Necessário – como notas musicais que só ressoam porque há um instrumento para tocá-las.

Esse pensamento nos leva a uma reflexão mais profunda sobre a nossa posição no universo. Se nossa existência é recebida, qual é o propósito dessa concessão? E se a essência não garante a existência, até que ponto podemos afirmar que somos donos de nossa própria realidade?

Em tempos de identidades fluidas e realidades virtuais, a separação entre essência e existência pode ser mais relevante do que nunca. Afinal, será que nossa essência se mantém quando nos projetamos para o mundo digital? Ou será que o simples ato de existir em um espaço virtual altera a essência do que somos? Se Avicena estivesse aqui hoje, talvez se perguntasse: "O avatar de um indivíduo no metaverso tem essência ou apenas existência temporária?" Questões que, mil anos depois, continuam assombrando nossa busca por sentido.


quinta-feira, 27 de março de 2025

Além da Subjetividade

Eu estava caminhando pela praça quando me dei conta de uma cena banal: um cachorro cheirando uma árvore com total concentração, como se decifrasse um livro invisível. Parei para observar. Ali, naquele instante, percebi algo desconcertante: aquele animal não precisava de linguagem, símbolos ou conceitos para existir plenamente naquele momento. Sua experiência não era mediada por interpretações, desejos ocultos ou dilemas existenciais. Apenas estava. E então me perguntei: o que existe além da subjetividade humana?

A subjetividade sempre foi o epicentro da filosofia moderna. Descartes inaugurou uma tradição que coloca o "eu penso" como fundamento de toda certeza, e Kant nos trancou em uma estrutura cognitiva que molda nossa experiência do mundo. Tudo o que conhecemos parece passar por essa mediação subjetiva. Mas será que essa perspectiva esgota todas as formas de existência e de conhecimento?

Ao longo da história, algumas tradições filosóficas buscaram escapar da bolha da subjetividade. O zen-budismo, por exemplo, propõe um estado de consciência não dualista, onde a separação entre sujeito e objeto se dissolve. A fenomenologia de Merleau-Ponty também questiona essa divisão rígida, apontando para um entrelaçamento entre corpo e mundo, onde a percepção não é um ato puramente interno, mas uma abertura para a alteridade.

No campo da ciência, neurocientistas e biólogos investigam formas de cognição não humanas. Polvos, por exemplo, possuem um sistema nervoso distribuído, onde a inteligência não está centralizada em um "eu" pensante, mas espalhada pelo corpo. Isso desafia nossa concepção tradicional de consciência e nos força a reconsiderar se o humano é, de fato, o modelo universal de percepção e compreensão.

E se, em vez de nos limitarmos ao nosso próprio esquema mental, tentássemos acessar outras formas de ser? E se o real não precisasse ser sempre filtrado pela interpretação humana? Talvez haja uma realidade vibrante que escapa ao nosso olhar subjetivo, uma riqueza de presenças que não precisam ser nomeadas para existirem plenamente. A experiência direta, sem as camadas de mediação conceitual, pode ser um caminho para vislumbrar esse "além".

Uma possível experiência humana que poderia transcender a subjetividade é o estado de fluxo absoluto, onde a consciência se dissolve na própria ação. Um exemplo disso pode ser encontrado em dançarinos, músicos ou atletas que atingem um momento de pura imersão, onde não há mais distinção entre aquele que age e a ação em si. O corpo se move sem uma intenção consciente, sem um "eu" que comanda cada gesto. É uma entrega total ao presente, onde a experiência se torna um fluxo contínuo, livre das amarras da interpretação pessoal.

Houve um instante, enquanto pescava solitário, frente à imensidão do mar, em que tudo desapareceu: o tempo, os pensamentos, até mesmo a consciência de estar ali. O movimento das ondas parecia me integrar a algo maior, como se eu já não fosse um observador, mas parte da própria respiração do oceano. O fio da linha era uma extensão de mim, e a espera pelo peixe deixou de ser espera – era apenas um instante sem começo nem fim. Quando senti o puxão e recobrei a percepção de mim mesmo, foi como emergir de um mundo sem palavras, onde a existência era pura e indissolúvel.

No fim das contas, talvez a subjetividade humana seja menos uma prisão e mais um convite: um convite para sair de si e perceber que há um mundo pulsante que nunca dependeu de nossa interpretação para existir.


Desconstrução Incomoda

Se há algo mais difícil do que entender Derrida, talvez seja explicar Derrida. A desconstrução, esse conceito que parece fugir por entre os dedos sempre que tentamos agarrá-lo, já foi interpretada de mil maneiras: como método, como crítica, como filosofia da linguagem, como um jogo interminável de diferenças e adiamentos. Mas, se há algo que Derrida nos ensinou, é que todo conceito que parece sólido está prestes a ruir – e, ironicamente, essa talvez seja a única certeza que ele nos permite ter.

A desconstrução, em seu cerne, não é uma destruição. Derrida nunca quis reduzir textos ou conceitos a ruínas, mas sim revelar as instabilidades que os constituem. Ele desafia a ideia de que há um centro fixo, uma verdade última, uma presença plena. Em seu lugar, propõe um jogo de diferenças e adiamentos, onde os significados nunca se estabilizam completamente. Isso nos leva ao conceito de "différance", um neologismo que combina "diferença" e "adiamento", sugerindo que o significado sempre escapa no próprio ato de significar.

No cotidiano, a desconstrução se manifesta sempre que percebemos que as palavras que usamos não são tão neutras quanto parecem. Pensemos em conceitos como "homem" e "mulher", "civilizado" e "bárbaro", "racional" e "emocional". Derrida nos ensina que esses pares binários não são apenas opostos neutros, mas carregam uma hierarquia implícita. Em cada dicotomia, um termo ocupa uma posição privilegiada enquanto o outro é subordinado. O que a desconstrução faz é abalar essa estrutura, revelando suas assimetrias e mostrando como os termos se definem mutuamente em uma relação instável.

Talvez o maior impacto da desconstrução esteja na filosofia ocidental como um todo. Desde Platão, a metafísica procurou estabelecer um fundamento sólido para o pensamento – seja a Ideia, a Substância, o Cogito. Derrida desafia essa busca ao demonstrar que qualquer tentativa de fixação conceitual está fadada a se contradizer. Assim, ele não propõe um novo fundamento, mas sim um pensamento que opera no limiar, no intervalo, na diferença.

Isso significa que tudo se torna relativo? Derrida jamais defendeu um relativismo puro, pois isso seria simplesmente substituir um dogma por outro. O que ele sugere é uma atenção radical à linguagem e à forma como os conceitos se constroem e se desconstroem continuamente. O mundo não se dissolve no caos, mas se revela muito mais complexo e fluido do que gostaríamos de acreditar.

Se a desconstrução incomoda, é porque ela nos força a abandonar certezas reconfortantes. Ela nos obriga a perguntar: e se aquilo que consideramos natural ou evidente for apenas um efeito de linguagem? E se a verdade que buscamos for sempre adiada, sempre deslocada? Essa angústia, porém, não deve ser vista como um problema, mas como um convite: um convite para pensar sem redes de segurança, para aceitar a instabilidade como parte fundamental do próprio ato de compreender. Derrida não nos dá respostas fáceis – e talvez seja exatamente por isso que ele continua sendo tão essencial.


quarta-feira, 26 de março de 2025

Parar o Tempo

Outro dia, olhando para o relógio, me peguei naquele pensamento meio tolo, meio profundo: e se eu pudesse parar o tempo? Não no sentido dramático de um filme de ficção científica, onde tudo congela enquanto eu caminho soberano entre figuras estáticas. Mas no sentido real: deter o fluxo que me arrasta, interromper a marcha silenciosa que transforma agora em ontem e futuro em passado.

A ideia de parar o tempo é quase um reflexo de nossa angústia existencial. Queremos segurar os instantes de felicidade, prolongar a juventude, esticar os momentos em que nos sentimos vivos. Mas também queremos parar o tempo quando estamos diante da dor, quando precisamos de um intervalo entre um golpe e outro da vida.

Filosoficamente, o tempo sempre foi um enigma. Santo Agostinho já dizia: "Se ninguém me pergunta o que é o tempo, eu sei; mas se me perguntam e tento explicar, já não sei mais." Ele parece óbvio na experiência, mas escapa na tentativa de definição. Bergson o diferenciava entre o tempo da ciência, que mede, e o tempo da consciência, que flui. O primeiro é externo e objetivo; o segundo, interno e subjetivo. E é justamente nesse segundo tempo que talvez possamos encontrar a resposta para a nossa busca de pausa.

No entanto, o desejo de parar o tempo pode ser ilusório, pois ele é a própria substância da vida. Como apontou McTaggart, em sua teoria sobre a irrealidade do tempo, a percepção temporal pode ser uma construção da mente, uma forma de organizar eventos em sequência. Se o tempo é uma ilusão, então o que chamamos de "parar" pode ser apenas uma mudança na forma como o experienciamos. Isso explicaria por que momentos de grande intensidade emocional parecem se alongar, enquanto a rotina diária escorre velozmente pelos dias.

Nietzsche, por sua vez, propôs uma maneira radical de encarar o tempo com sua ideia do eterno retorno. Se cada momento da vida estivesse fadado a se repetir infinitamente, como reagiríamos? Fugiríamos do tempo, ansiando por sua interrupção, ou aprenderíamos a abraçá-lo, desejando que cada instante fosse digno de ser vivido eternamente? Para Nietzsche, parar o tempo seria uma ilusão própria dos fracos; o verdadeiro desafio seria vivê-lo de tal maneira que pudéssemos desejar sua repetição eterna sem arrependimentos.

Na contemporaneidade, a tecnologia nos oferece novas perspectivas sobre parar o tempo. O conceito de slow living, por exemplo, propõe uma desaceleração intencional da vida em resposta à cultura da hiperprodutividade. Carl Honoré, em In Praise of Slow, argumenta que parar o tempo não é um ato literal, mas sim uma escolha consciente de vivenciar cada momento sem a pressa imposta pelo ritmo frenético da modernidade. Redes sociais, notificações constantes e a pressão por eficiência fazem o tempo parecer escapar mais rápido. O verdadeiro desafio contemporâneo não é parar o tempo fisicamente, mas sim resgatar a profundidade da experiência cotidiana, aprendendo a saborear o presente sem ansiedade pelo próximo instante.

Se parar o tempo significa interromper sua contagem, é impossível. Mas se significa vivê-lo de maneira plena, absorver cada instante sem deixá-lo escapar por entre os dedos, então talvez seja viável. Os místicos fazem isso na contemplação. Os amantes, no abraço que suspende o mundo ao redor. O artista, no instante em que a inspiração o arrebata.

N. Sri Ram dizia que o tempo não é um inimigo, mas uma dimensão da experiência. Ele pode ser sentido de forma diferente dependendo de como nos relacionamos com ele. Quando nos prendemos ao passado ou nos angustiamos com o futuro, ele nos escraviza. Quando vivemos intensamente o presente, ele parece se dilatar.

Talvez, então, parar o tempo não seja uma questão de detê-lo, mas de mergulhar nele. Não tentar segurá-lo com força, mas flutuar em sua corrente com leveza. No final, parar o tempo pode ser menos sobre segurá-lo e mais sobre aprender a estar nele sem pressa.


Falseando a Falseabilidade

Sempre que alguém aparece com uma teoria brilhante, um modelo explicativo do universo ou mesmo uma ideia revolucionária sobre como dobrar roupas sem amassar, há um espectro pairando sobre sua cabeça: Karl Popper. Não é exagero dizer que sua teoria da falseabilidade transformou a maneira como pensamos sobre ciência, conhecimento e até sobre a natureza da verdade. Mas, e se invertêssemos o jogo? E se, ao invés de seguir Popper como um farol infalível da racionalidade, nos perguntássemos: Popper pode ser refutado?

A questão não é meramente acadêmica. Se a ciência deve sempre se abrir à possibilidade de refutação, então a própria ideia de falseabilidade não pode ser um dogma absoluto. Popper insiste que uma teoria científica precisa ser refutável, ou seja, que haja a possibilidade de demonstrar sua falsidade. No entanto, esse critério levanta um problema curioso: se algo é refutável, não significa que está, por definição, fadado à refutação? E se não há possibilidade de refutação, isso significa que é inválido? Essa dicotomia gera uma armadilha epistemológica: ou aceitamos que há enunciados que nunca podem ser refutados e, portanto, não pertencem ao escopo da ciência (como certas teorias da física contemporânea), ou aceitamos que todo conhecimento é provisório, o que mina qualquer tentativa de estabelecer verdades científicas mais estáveis.

Além disso, há uma crítica estrutural à própria aplicabilidade da falseabilidade. Thomas Kuhn, por exemplo, argumentou que as grandes mudanças científicas não ocorrem por simples refutação de teorias anteriores, mas sim por deslocamentos paradigmáticos. Isso significa que, na prática, os cientistas nem sempre abandonam teorias assim que encontram anomalias; ao contrário, frequentemente tentam ajustá-las, reinterpretá-las ou até mesmo ignorar certos dados problemáticos até que um novo paradigma surja. Nesse sentido, o critério popperiano pode ser menos descritivo do que ele próprio imagina. A ciência real não é um tribunal onde teorias são descartadas ao primeiro sinal de contradição, mas um organismo vivo, onde resistências, adaptações e reinterpretações fazem parte do jogo.

Outra questão fundamental envolve a aplicabilidade do princípio da refutação a áreas como a metafísica e as ciências sociais. Se apenas o que pode ser refutado é científico, então teorias como o marxismo ou a psicanálise de Freud estariam fora do campo da ciência? Popper argumenta que sim, mas essa exclusão levanta um problema: o fato de uma teoria não ser falseável implica automaticamente que ela não tem valor explicativo? Se pensarmos na importância cultural, psicológica e até política dessas abordagens, percebemos que há um campo vasto de conhecimento que escapa à rígida exigência popperiana.

Por fim, há o paradoxo mais irônico de todos: o próprio critério de falseabilidade pode ser falseado? Se alguém demonstrasse que há enunciados científicos válidos que não são refutáveis, o princípio de Popper entraria em colapso. Alguns argumentam que a matemática e a lógica, por exemplo, não operam sob esse critério, mas ninguém ousaria dizer que não são disciplinas rigorosas.

No fim das contas, a grande lição de Popper talvez não esteja na infalibilidade de sua teoria, mas naquilo que ela nos obriga a fazer: questionar, desafiar e permanecer abertos à possibilidade de que, um dia, até mesmo o mais venerado dos critérios científicos possa ser refutado.


terça-feira, 25 de março de 2025

Concisão e Profundidade

Outro dia, numa conversa com um amigo, ele soltou uma frase curta, mas que me fez pensar o resto da noite. Nada de discursos longos, explicações detalhadas ou floreios desnecessários—apenas uma sentença precisa, carregada de significado. Fiquei ali, olhando para o copo, mastigando aquelas palavras como se fossem um enigma. E percebi que algumas pessoas têm esse dom raro: falam pouco, mas dizem muito.

Ser conciso e profundo ao mesmo tempo é uma arte que poucos dominam. Enquanto muitos enchem o ar com palavras que evaporam sem deixar rastro, outros conseguem condensar um mundo inteiro em uma única frase. Mas como isso acontece? O que torna certas palavras tão impactantes?

Concisão e Profundidade: O Peso das Palavras Bem Escolhidas

Há quem fale muito sem dizer nada e quem diga tudo em poucas palavras. Os primeiros preenchem o silêncio com ruídos, os segundos fazem do silêncio um palco para o essencial. Ser conciso e profundo é uma arte difícil: exige saber o que cortar sem mutilar o sentido, o que deixar implícito sem ser obscuro, o que revelar sem ser óbvio.

A concisão não é apenas economia verbal, mas um refinamento do pensamento. Quem domina essa habilidade não apenas reduz o excesso, mas condensa a substância. Como uma escultura que nasce do mármore bruto, a ideia lapidada se impõe pela precisão. Porém, a profundidade dá peso a essa economia. Dizer pouco sem tocar fundo é ser raso. A profundidade exige que as palavras, mesmo escassas, abram camadas de significado, como ecos que se expandem no tempo.

Nietzsche, mestre em frases lapidares, dizia que um bom pensamento deve ser como um raio: ilumina de repente e queima ao mesmo tempo. Assim, o impacto da concisão e profundidade se dá porque provoca, inquieta, obriga o interlocutor a continuar o pensamento por conta própria. Talvez por isso, sentenças curtas, quando bem formuladas, ficam na memória por uma vida inteira.

No fundo, ser conciso e profundo é respeitar o tempo do outro, oferecendo o máximo no mínimo, sem pressa e sem desperdício. É o gesto de quem não fala para preencher o vazio, mas para abrir um espaço de reflexão.


Retornos e Insistências

Sabe aquele momento em que você se vê voltando para o mesmo ponto, mesmo depois de tantas voltas? Talvez seja um relacionamento que insiste em reaparecer, um erro que se repete ou aquela sensação incômoda de que a vida está girando em círculos. Mas e se, em vez de círculos, estivéssemos em espirais? Se os retornos não fossem simples repetições, mas movimentos que nos levam a uma nova camada da experiência?

A insistência da vida em nos fazer reviver certas situações não é apenas um acaso teimoso. Pode ser um mecanismo oculto, uma forma de aprendizado que só percebemos quando olhamos para trás. Friedrich Nietzsche chamaria isso de eterno retorno, uma ideia assustadora e libertadora ao mesmo tempo: viveríamos tudo de novo, exatamente do mesmo jeito, repetindo cada escolha, cada erro, cada acerto. Mas se há repetição, há também a oportunidade de olhar diferente, de fazer diferente.

O Labirinto que Nos Ensina

Imagine um labirinto onde você segue por um corredor e chega a um beco sem saída. Você volta, escolhe outro caminho e, adivinhe, mais um beco sem saída. Mas, ao retornar, algo mudou: agora você carrega o conhecimento dos caminhos errados. Não é a mesma experiência de antes, porque você não é o mesmo. A insistência do erro pode ser, na verdade, um convite ao entendimento.

Na vida prática, quantas vezes tentamos insistir em algo — um projeto, uma relação, um sonho — e fracassamos? Pode parecer perda de tempo, mas e se estivermos apenas afinando a sintonia? Sri Ram, pensador da tradição teosófica, dizia que a verdadeira transformação vem do reconhecimento da repetição. Não basta errar diferente, é preciso compreender o padrão.

Insistência ou Destino?

Muitos enxergam os retornos como sina, como um roteiro já escrito. Mas há também a visão de que, a cada repetição, moldamos um futuro distinto. A questão é: estamos insistindo por teimosia ou por intuição? O perigo está em confundir persistência com cegueira. Talvez seja essa a sabedoria dos retornos: eles testam nossa capacidade de enxergar o que antes ignorávamos.

Se tudo retorna, se insistimos nos mesmos passos, o que realmente está mudando? Talvez a resposta esteja menos no caminho e mais em quem o percorre.


segunda-feira, 24 de março de 2025

Letargia do Pensamento

A preguiça do pensamento e o conforto do mesmo

Lá estamos nós, mais uma vez, sentados no sofá confortável da cultura, assistindo a reprise das mesmas ideias, rindo das mesmas piadas, ouvindo as mesmas músicas e mastigando as mesmas opiniões mornas servidas em bandejas já desgastadas pelo tempo. Nada de novo, nada de incômodo. Apenas o acolhimento morno da repetição. Se há algo que caracteriza bem a nossa época, talvez seja essa mistura de displicência e acomodação cultural: a sensação de que nada precisa ser questionado porque tudo já foi debatido até a exaustão.

Essa letargia do pensamento não é um fenômeno novo. Desde Platão, já se falava da necessidade de romper com as sombras da caverna e encarar a luz do conhecimento, mesmo que ela fosse ofuscante e desagradável. No entanto, há algo de particularmente sofisticado na acomodação contemporânea: não é um simples comodismo, mas um estado de espírito que se veste de engajamento superficial.

Vivemos em tempos onde a cultura de massa se apresenta como um grande bufê de opções, mas a sensação é de que todos servem os mesmos pratos. O entretenimento, a política, a arte e até as formas de contestação parecem estar presas a fórmulas repetidas, limitadas por um roteiro invisível que ninguém ousa reescrever. Em nome da conveniência, aceita-se a estética do reciclado, o pensamento pré-moldado e a indignação previsível. A própria crítica tornou-se um produto de fácil digestão, embalado para consumo rápido e descartável.

O pensador brasileiro Milton Santos já nos alertava sobre os perigos da globalização perversa, onde a diversidade se vê reduzida a um espetáculo homogêneo. Para ele, a verdadeira liberdade cultural não está na mera aceitação do que nos é oferecido, mas na capacidade de recriação e reinvenção contínuas. A grande armadilha da nossa era é confundir consumo com participação, e assim nos tornamos espectadores do nosso próprio empobrecimento cultural.

A displicência cultural é também um reflexo da preguiça de assumir riscos. Qualquer nova ideia, antes mesmo de ser explorada, já é filtrada pelos critérios do que é aceitável, do que é rentável, do que não incomoda demais. Acomodação não significa simplesmente se contentar com pouco, mas aceitar passivamente que o mundo se mova sem a nossa interferência. Enquanto isso, a inovação verdadeira, o pensamento crítico genuíno e a arte que realmente transforma permanecem à margem, soterrados pelo excesso de repetição.

É preciso coragem para abandonar o sofá cultural e buscar algo que não esteja pronto, que não venha empacotado e testado para agradar a maioria. Significa abrir espaço para o incômodo, para o erro, para o desconhecido. Se há uma revolução necessária hoje, talvez ela não seja tecnológica nem política, mas uma revolução do pensamento: um convite para que deixemos de lado a displicência e assumamos, enfim, a responsabilidade de criar, questionar e, principalmente, reinventar o que chamamos de cultura.

Dentro de alguns dias teremos a 14ª Bienal do Mercosul em Porto Alegre/RS, será realizada entre os dias 27/03/2025 a 01/06/2025, já visitei algumas exposições e sempre me surpreenderam. Porque lembrei da Bienal, ora porque a exposição nos tira da mesmice, e sempre me pergunto se a Bienal não seria uma oportunidade de vivenciamentos decoloniais.

Aí me ocorre, depende de como a bienal é vivenciada. Em teoria, uma bienal de arte ou literatura pode ser uma excelente forma de sair da comodidade, pois expõe o público a novas ideias, estéticas e narrativas que desafiam o pensamento e ampliam a visão de mundo. Se alguém chega aberto ao inesperado, disposto a explorar obras que saem do circuito comercial e a refletir sobre conceitos que incomodam, então a bienal pode ser uma verdadeira sacudida na acomodação cultural.

Por outro lado, se a experiência for reduzida a um passeio previsível, onde as interações seguem roteiros prontos e o público busca apenas confirmar o que já gosta e conhece, então a bienal pode acabar sendo mais uma vitrine da mesmice. Muitas vezes, até as exposições mais ousadas são suavizadas para atender ao gosto do público, tornando-se menos um desafio e mais um evento confortável.

O segredo está na atitude: se entramos numa bienal dispostos a sermos provocados e a repensarmos nossas certezas, ela pode, sim, ser uma saída da comodidade. Caso contrário, será só mais um programa cultural que reforça o conforto do já estabelecido.

Fica aí o link da 14 Bienal: https://www.bienalmercosul.art.br/


Individualismo Desenfreado

A Era do Eu:

Muitas histórias e reflexões começam numa cafeteria. Outro dia, vi uma cena curiosa em um café. Um grupo de amigos estava reunido, mas cada um mergulhado na própria tela, navegando em um universo particular. O encontro existia, mas era como se cada um estivesse trancado em sua própria cápsula de existência. Pensei: até onde vai essa maré do individualismo? Ele nos libertou ou nos aprisionou em um labirinto de egos?

O individualismo, filho dileto do Iluminismo e amadurecido na modernidade, já foi celebrado como a grande conquista da autonomia humana. O homem rompeu com as amarras da tradição e declarou: "Eu sou meu próprio guia". Mas, no século XXI, essa autonomia parece ter se tornado uma hiperbolização do "eu", um culto incessante à identidade própria, onde tudo gira em torno da autoafirmação. Se antes buscávamos o sentido da vida na coletividade, hoje nos perguntamos: "Como eu posso me destacar?"

O Paradoxo da Liberdade Individual

Jean-Paul Sartre dizia que estamos condenados à liberdade, e talvez essa condenação tenha se transformado em uma obsessão. O individualismo moderno nos dá a ilusão de escolha absoluta, mas ao mesmo tempo nos lança em uma competição feroz onde cada um precisa provar constantemente seu valor. A meritocracia, vendida como símbolo da liberdade individual, muitas vezes se torna um peso insuportável. Se tudo depende do indivíduo, então o fracasso também é exclusivamente dele.

Ao mesmo tempo, há uma ironia nesse individualismo: queremos ser únicos, mas acabamos nos tornando previsíveis. As redes sociais são o grande palco disso—milhões de pessoas tentando se diferenciar, mas seguindo padrões idênticos. A autenticidade virou um produto de mercado.

O Individualismo e o Vazio Existencial

Nietzsche, ao proclamar a morte de Deus, alertou para um problema: o que fazer quando os grandes valores coletivos perdem força? O individualismo desenfreado gerou um vácuo existencial, preenchido pelo hedonismo e pelo culto à performance. O problema é que, quando o sentido da vida se reduz à satisfação pessoal, caímos em um ciclo vicioso de busca incessante por prazer e validação externa.

Zygmunt Bauman descreveu nossa era como "líquida", onde os laços humanos são frágeis e temporários. O individualismo extremo nos levou a uma forma de solidão paradoxal: estamos cercados de pessoas, mas cada vez mais isolados.

O Caminho do Meio

O antídoto para esse individualismo avassalador não é um retorno forçado ao coletivismo, mas um equilíbrio entre o "eu" e o "nós". N. Sri Ram, um pensador da filosofia teosófica, falava sobre o verdadeiro sentido da liberdade: não como um isolamento absoluto, mas como a descoberta do "eu" dentro do todo. Ser livre não significa apenas seguir desejos próprios, mas reconhecer a interconexão com os outros.

O desafio do nosso tempo não é abandonar o individualismo, mas redescobrir o sentido da comunhão sem perder a autonomia. Talvez isso signifique menos busca por reconhecimento e mais disposição para escutar. Menos obsessão pela identidade e mais curiosidade pelo outro. Afinal, como dizia Fernando Pessoa, "para viajar basta existir". Talvez o mesmo valha para o encontro verdadeiro: para nos conectarmos, basta estarmos presentes.


domingo, 23 de março de 2025

Palavras que Pensam

Sabe aquela discussão de bar sobre o que realmente significa "liberdade"? Alguém diz que é poder fazer o que quiser, outro rebate que não é bem assim, porque vivemos em sociedade e, bem, regras existem. E então o debate desanda, e cada um continua acreditando na própria definição como se fosse a única possível. O que acontece aí? Um clássico problema da semântica: palavras são janelas para conceitos, mas essas janelas nunca são totalmente transparentes.

A semântica, dentro da filosofia, estuda como atribuímos significados às palavras e como esses significados se relacionam com a realidade. A questão central é: as palavras refletem a realidade ou apenas impõem uma estrutura artificial ao mundo? Wittgenstein, em sua fase tardia, diria que os significados não são fixos, mas dependem dos usos na linguagem cotidiana. Já Frege buscava uma precisão lógica, separando sentido e referência.

Se o significado depende do uso, então o que dizer de conceitos como "justiça", "verdade" ou "felicidade"? São conceitos que parecem universais, mas mudam conforme a cultura, o tempo e a intenção de quem fala. Quando Platão tentou definir "justiça" em "A República", ele precisou construir uma cidade ideal para ilustrar seu ponto. E aí está o dilema da semântica filosófica: definir é sempre interpretar.

E quando a interpretação se torna uma arma? Termos são ressignificados o tempo todo para manipular percepções. Orwell já alertava para isso em "1984", quando o "Ministério da Verdade" era responsável por reescrever a história. No mundo real, palavras como "progresso" e "ordem" podem significar liberdade ou controle, dependendo de quem fala.

Talvez a semântica não seja só um estudo de significados, mas um estudo sobre como pensamos e moldamos a realidade. Se a linguagem é a casa do ser, como dizia Heidegger, então a semântica é a arquitetura dessa casa. O que nos resta é escolher bem as palavras e, principalmente, escutar o que está por trás delas.

Linguagem do Pensamento

Quando alguém diz que "pensou em algo, mas não consegue colocar em palavras", o que isso realmente significa? Se a linguagem fosse a estrutura essencial do pensamento, como sugerem algumas correntes filosóficas, então não conseguir expressar algo seria o mesmo que não ter pensado nisso. Mas sabemos que não é bem assim. Essa questão nos leva a uma teoria fascinante e controversa: a Linguagem do Pensamento (LOT, na sigla em inglês), formulada por Jerry Fodor.

Fodor propõe que pensar não é simplesmente falar consigo mesmo em um idioma natural, como o português ou o inglês. Em vez disso, ele argumenta que a mente opera por meio de um código interno, uma linguagem mental inata e universal, que ele chama de "mentalês". Segundo Fodor, essa linguagem seria composta por símbolos e regras combinatórias, funcionando de forma análoga a uma linguagem formal, como a matemática ou a lógica proposicional. Assim, antes mesmo de aprendermos a falar, já pensamos nessa estrutura subjacente.

Essa ideia é revolucionária porque desafia o pressuposto de que o pensamento depende da linguagem natural. Se a mente opera por meio de símbolos internos, isso explicaria como podemos aprender novas palavras e conceitos sem que já os tivéssemos expressado antes. Além disso, reforça a hipótese de que certos aspectos do pensamento são universais, independentes da cultura e da língua falada.

No entanto, a teoria de Fodor também enfrenta objeções. Um dos desafios é explicar a origem e a natureza dos símbolos mentais. Como a mente estabelece a relação entre esses símbolos internos e os objetos do mundo real? Outra crítica relevante vem dos defensores da cognição incorporada, que argumentam que o pensamento não pode ser reduzido a um sistema computacional de regras formais, pois depende do corpo, da experiência sensorial e da interação com o ambiente.

Ainda assim, a LOT continua sendo uma das teorias mais influentes na filosofia da mente e na ciência cognitiva. Ela nos obriga a reconsiderar a relação entre pensamento e linguagem, questionando até que ponto o que dizemos reflete de fato o que pensamos. Se Fodor estiver certo, muito do que pensamos nunca chega a ser verbalizado, permanecendo oculto na estrutura silenciosa da mente.

Afinal, o que pensamos quando não estamos falando? Talvez, como sugere Fodor, estejamos processando mentalês sem perceber – uma língua invisível que estrutura nossa compreensão do mundo muito antes de proferirmos a primeira palavra.


sábado, 22 de março de 2025

Fantasma na Maquina

Outro dia, enquanto observava um amigo lutando com um novo celular, fiquei pensando: por que ainda insistimos na ideia de que mente e corpo são entidades separadas? Meu amigo praguejava contra a tecnologia, mas ao mesmo tempo parecia quase esperar que o aparelho entendesse seu desespero. Ali, naquele embate entre homem e máquina, vi um reflexo do que Gilbert Ryle chamaria de "o erro categorial" – a velha crença no fantasma na máquina.

Ryle, em sua crítica ao dualismo cartesiano, nos alerta contra a ilusão de que a mente seja uma substância distinta do corpo, um fantasma controlando uma engrenagem. Para ele, essa separação é um mal-entendido filosófico, uma confusão semelhante a tentar encontrar a "universidade" ao olhar apenas para os edifícios, salas e corredores de um campus. A mente não é um lugar escondido dentro do corpo; ela se manifesta nas próprias ações e comportamentos de um indivíduo.

Tomemos, por exemplo, o caso de alguém jogando xadrez. Para um dualista, há um "pensador" interno elaborando as jogadas e depois ordenando as mãos a moverem as peças. Para Ryle, isso é um absurdo: a inteligência não está dentro da cabeça como um pequeno ser estrategista, mas sim na própria prática do jogo, nas habilidades demonstradas ao longo das partidas. A mente é comportamento, não uma substância invisível manipulando cordas.

Isso tem implicações profundas para como encaramos a consciência, a identidade e até a inteligência artificial. Quando falamos em "mentes" de robôs ou "consciência" de inteligências artificiais, talvez estejamos apenas projetando a velha crença dualista. Um algoritmo pode exibir comportamento inteligente, mas isso significa que pensa? Ou estamos, mais uma vez, vendo fantasmas onde há apenas engrenagens simbólicas?

A beleza da proposta de Ryle é que ela nos convida a repensar a forma como descrevemos a experiência humana. Em vez de nos preocuparmos em localizar a mente em algum "lugar secreto", talvez devamos prestar mais atenção às expressões, gestos e atitudes que fazem de cada um de nós quem somos. E, se olharmos bem, veremos que nunca houve um fantasma na máquina – apenas a própria máquina, vivendo e se expressando de forma incrivelmente complexa.


Identidade e Alteridade

Outro dia, sentado num café, observei uma cena curiosa. Dois amigos discutiam sobre um filme: um via nele uma obra-prima, o outro, um desastre. Nenhum dos dois era capaz de aceitar completamente o ponto de vista do outro. Fiquei pensando em como nossa identidade se constrói não apenas pelo que afirmamos ser, mas também pelo que negamos. Esse embate entre identidade e diferença é uma tensão fundamental da existência humana e um dos pilares da filosofia de Hegel.

Hegel compreende a identidade não como algo fixo, mas como um processo. Em sua "Ciência da Lógica", ele nos mostra que a identidade pura, isolada de tudo, se torna vazia. Para que algo seja idêntico a si mesmo, ele precisa passar pelo confronto com o outro. Ou seja, identidade só existe na relação com a diferença. Esse movimento é dialético: a identidade se constitui ao se diferenciar e integrar essa diferença.

A alteridade, nesse jogo, tem um papel crucial. O outro não é apenas um espelho onde nos enxergamos, mas também um desafio, um obstáculo que nos obriga a nos transformar. Em "Fenomenologia do Espírito", Hegel descreve esse processo no famoso exemplo da dialética do senhor e do escravo. O reconhecimento do outro é uma batalha, um embate de consciências que lutam pelo direito de serem vistas. Identidade, portanto, não é um dado, mas algo que se conquista através do reconhecimento.

No cotidiano, vivemos esse movimento o tempo todo. Ao entrar em um novo grupo, nos perguntamos: quem sou eu aqui? Como sou visto? A resposta nunca é unívoca, pois somos sempre atravessados pelo olhar do outro. Hegel nos ensina que a identidade é fluida porque depende desse reconhecimento recíproco. Por isso, quanto mais nos fechamos em uma ideia fixa de nós mesmos, mais nos afastamos do próprio processo que nos define.

A grande lição hegeliana é que identidade e diferença não são opostas, mas parte de um mesmo movimento. O eu só é eu porque há o outro. A tensão entre identidade, diferença e alteridade é, no fim das contas, o que impulsiona a história e o desenvolvimento do espírito humano. Então, da próxima vez que discordar de um amigo sobre um filme, talvez seja bom lembrar: a diferença não nega a identidade, ela a faz existir.


sexta-feira, 21 de março de 2025

Determinação e Determinidade

Outro dia, enquanto escolhia entre café filtrado ou expresso, percebi que a escolha já não era minha. O gosto, a necessidade do momento e até o ambiente onde eu estava pareciam determinar minha decisão antes mesmo que eu refletisse sobre ela. Foi aí que pensei em Hegel: será que a verdadeira liberdade não está na compreensão do que já nos determina? E, mais do que isso, o que significa ser determinado e ter determinidade?

No pensamento hegeliano, determinação (Bestimmung) e determinidade (Bestimmtheit) são conceitos fundamentais na lógica do ser. Determinação é o processo pelo qual algo se define em relação ao que não é, enquanto determinidade é o estado resultante desse processo, a identidade de algo enquanto algo específico. O que parece paradoxal é que, ao sermos determinados, também nos tornamos mais livres. Mas como isso funciona?

Para Hegel, a liberdade não é um estado de indeterminação absoluta, como se pudéssemos escolher qualquer coisa a qualquer momento. Pelo contrário, liberdade é compreender as determinações que nos constituem e agir a partir delas. Uma semente não é livre para ser qualquer coisa, mas, ao se desenvolver segundo sua essência, encontra sua verdadeira liberdade como árvore. Assim também ocorre conosco: não podemos escapar das determinações da cultura, da história ou das circunstâncias, mas podemos compreendê-las e usá-las para crescer.

A grande sacada hegeliana é que tudo o que existe tem sua verdade na relação com o outro. Ser determinado não é estar aprisionado, mas ser situado. O café que escolhi não é uma escolha arbitrária, mas um reflexo da minha identidade, que se constrói em cada pequena decisão. Se tentasse agir de maneira absolutamente indeterminada, negando todas as influências e condicionantes, acabaria na inação – um paradoxo que Hegel desmantela em sua dialética.

No contexto social e político, essa ideia tem implicações profundas. A ilusão de uma liberdade sem determinação leva a um individualismo estéril, enquanto a compreensão de nossas determinações nos dá poder sobre elas. O reconhecimento da própria determinidade permite que nos posicionemos no mundo com consciência, transformando nossas limitações em possibilidades. Assim, ao invés de fugir daquilo que nos determina, podemos nos apropriar disso e agir com sentido.

Então, na próxima vez que parecer que uma escolha já foi feita por você, talvez valha a pena perguntar: isso me aprisiona ou me define? Afinal, como Hegel nos ensina, o que nos determina também pode ser aquilo que nos liberta.


quinta-feira, 20 de março de 2025

Morte e Imortalidade

Olhando para um retrato antigo de um bisavô desconhecido, me veio a pergunta inevitável: quem foi ele, o que pensou, o que sentiu? Se, por um lado, sabemos que a morte é uma realidade inescapável, por outro, algo dessa existência resiste ao tempo. Mas o que exatamente sobrevive? E o que significa ser imortal?

A resposta desta reflexão fui buscar junto a nosso mentor Hegel na sua dialética infinita, em sua vastidão especulativa, ele nos oferece uma resposta peculiar. Para ele, a morte não é apenas um fim, mas um momento necessário na dialética do espírito. Nada simplesmente desaparece; ao contrário, tudo se transforma e se eleva em um nível superior de compreensão e desenvolvimento.

Na Fenomenologia do Espírito, Hegel descreve a morte como um processo de superação (Aufhebung): uma negação da individualidade finita que, paradoxalmente, permite sua permanência em uma realidade mais ampla. O indivíduo morre, mas sua essência — suas ideias, seus atos, sua influência — permanece integrada no curso do espírito absoluto.

Isso significa que a imortalidade, na perspectiva hegeliana, não é um prolongamento infinito da existência individual, mas uma incorporação dessa existência no todo maior da história e da cultura. Nossa finitude não nos condena ao esquecimento; pelo contrário, é precisamente a morte que nos insere em um horizonte mais amplo, onde nosso ser encontra continuidade na consciência coletiva.

Se olharmos para os grandes pensadores, artistas ou revolucionários, percebemos que suas existências singulares desapareceram, mas suas contribuições continuam vivas. Napoleão, por exemplo, não é apenas um nome nos livros de história; ele é um momento do próprio desenvolvimento histórico. O mesmo se aplica a qualquer um de nós: à medida que impactamos o mundo, tornamo-nos parte de uma totalidade que transcende a nossa presença física.

No cotidiano, essa ideia se reflete em pequenas imortalidades: um conselho que damos e que molda a vida de alguém, um gesto de bondade que ecoa através das gerações, uma lembrança que persiste na memória de outros. A morte, longe de ser um apagamento absoluto, é um movimento dentro da própria vida do espírito.

Se aceitarmos essa visão, talvez a angústia da morte se transforme. Em vez de temê-la como um aniquilamento, podemos vê-la como um processo de transmissão e continuidade. Somos partes de algo maior, e a nossa imortalidade não está na repetição infinita da existência, mas na nossa inscrição na história do mundo.

Assim, ao olhar para o retrato do bisavô, percebemos que ele não desapareceu por completo. Ele sobrevive, transformado, em nós. A sua presença se refaz no nosso olhar, nos traços que herdamos, nas histórias que ouvimos sobre ele. A morte, em seu paradoxo dialético, é também uma forma de permanência.


Relativismo Cultural

Eu estava sentado na praça quando ouvi a conversa no banco ao lado: um sujeito indignado falando alto dizia que em certos países as pessoas comem insetos como se fosse um prato refinado. "Isso é absurdo!", exclamava. Do outro lado da mesa, um amigo respondia: "Mas e se eles achassem absurdo a gente comer queijo mofado?" O silêncio momentâneo foi a deixa perfeita para perceber: estamos sempre presos à nossa própria cultura, julgando o mundo a partir dos nossos costumes.

O relativismo cultural parte exatamente desse princípio: o que é certo ou errado, belo ou feio, aceitável ou absurdo, depende do contexto cultural em que está inserido. Não há um padrão universal de valores; cada sociedade desenvolve os seus próprios com base em sua história, geografia, economia e interações sociais. Esse conceito, amplamente discutido na antropologia e na filosofia, desafia a ideia de um código moral absoluto.

Mas será que o relativismo cultural significa que tudo vale? Se cada cultura tem sua própria moral, significa que práticas como o sacrifício humano ou a mutilação genital podem ser justificadas dentro de seus contextos? Aqui surge um dilema central: se aceitarmos o relativismo cultural sem restrições, corremos o risco de legitimar ações que, sob outra ótica, poderiam ser vistas como violação dos direitos humanos. Claude Lévi-Strauss já dizia que julgar culturas externas com os olhos da nossa é um erro, mas também apontava que o respeito à diversidade não pode ser confundido com a ausência de crítica.

O problema do relativismo extremo é que ele pode levar a um paradoxo: se tudo é relativo, inclusive a própria ideia de relativismo, então nada pode ser afirmado com certeza. E se uma cultura rejeita o relativismo e defende valores universais, esse posicionamento também deveria ser respeitado? Aqui, entramos num labirinto de contradições que desafia qualquer certeza confortável.

Talvez a saída esteja em um meio-termo, como sugeria N. Sri Ram: reconhecer a pluralidade cultural sem perder a sensibilidade ética. Ele argumentava que as diferenças culturais não podem ser desculpa para a perpetuação de injustiças, mas que também não podemos impor nossos valores como se fossem superiores. Em outras palavras, o diálogo intercultural deve ser baseado no entendimento, não na imposição.

E assim voltamos ao banco da praça. O sujeito que zombava do consumo de insetos provavelmente não percebe que o seu churrasco pode ser visto como algo tão estranho quanto. No fundo, relativismo cultural é isso: um lembrete constante de que nossas certezas são apenas moldadas pelo mundo ao nosso redor. E que, talvez, seja mais produtivo trocarmos o julgamento pelo questionamento.


quarta-feira, 19 de março de 2025

Negação Plausível

O Jogo das Verdades Maleáveis

Em uma mesa de bar, entre um gole e outro de cerveja, alguém solta: “Mas e se ninguém nunca souber? Se eu disser que não sabia de nada, quem pode provar o contrário?” Rimos, mas ali está a semente da chamada negação plausível. Uma ferramenta da política, um álibi para a moral e um jogo arriscado na vida cotidiana. Se ninguém pode provar que você sabia, então, oficialmente, você não sabia. Simples assim? Talvez não. O conceito de negação plausível carrega um paradoxo filosófico profundo: até que ponto a ausência de evidência é evidência de ausência?

Entre o Saber e o Não Saber

A negação plausível opera em uma zona cinzenta entre a ignorância proposital e a conveniência da dúvida. Imagine um chefe que evita ler certos relatórios para poder afirmar, sem mentir tecnicamente, que não sabia das irregularidades de sua empresa. Ou um político que delega ações a subordinados sem perguntar muitos detalhes, garantindo que, se algo der errado, ele possa lavar as mãos. A filosofia nos convida a perguntar: essa “desconexão intencional” é moralmente neutra?

Aqui, podemos recorrer a Hannah Arendt e sua análise da “banalidade do mal”. Quando Eichmann dizia apenas seguir ordens, ele usava um tipo de negação plausível. Ele não questionava, não investigava, não fazia nada além de executar burocraticamente sua função. Isso o isentava da culpa? Para Arendt, o problema não estava na ausência de intenção explícita de fazer o mal, mas na abdicação do pensamento crítico.

No dia a dia, muitas pessoas adotam versões mais brandas desse comportamento. “Eu não sabia que essa marca explora trabalhadores” ou “Eu não tinha certeza se meu comentário era ofensivo”. A ignorância, real ou fabricada, protege moralmente, mas até quando?

O Jogo da Verdade Flexível

Nietzsche afirmava que “não existem fatos, apenas interpretações”. A negação plausível bebe dessa ideia. Se a verdade é uma construção interpretativa, então sempre há espaço para dúvida suficiente para evitar culpas. Mas o problema está em quem controla essa narrativa. A negação plausível funciona melhor para quem tem poder de definir o que é uma dúvida aceitável.

Tomemos como exemplo o universo das fake news. Um político pode disseminar uma informação falsa e, quando confrontado, dizer que apenas repassou algo “sem certeza”. A negação plausível aqui não é apenas defesa, mas uma estratégia ativa para relativizar a própria noção de verdade.

Consequências Éticas e Filosóficas

A negação plausível, quando internalizada, transforma-se em um mecanismo de fuga da responsabilidade. Se todos adotam essa postura, o que acontece com a verdade compartilhada? Em um mundo onde cada um pode alegar que “não sabia”, torna-se impossível apontar culpados. As estruturas de poder agradecem, pois a responsabilidade se dissolve em um emaranhado de incertezas fabricadas.

Diante disso, talvez a questão essencial seja: queremos um mundo onde a verdade possa ser sempre contornada por artifícios retóricos? Ou será que o desafio filosófico do nosso tempo é reconstruir um compromisso com a responsabilidade, mesmo quando negar seria mais conveniente? Afinal, se ninguém sabe de nada, como podemos saber quem somos?


Angústia da Escolha

O Sofrimento da Liberdade na Era do Consumo

Escolher um lanche parece algo simples. Mas experimente entrar em uma prateleira de supermercado com dezenas de tipos de pães, queijos e recheios diferentes. De repente, a tarefa se torna um dilema. O integral ou o tradicional? O com ou sem glúten? O de fermentação natural ou aquele com grãos variados? A promessa de liberdade se dissolve em ansiedade. Bem-vindo à modernidade, onde o excesso de opções é um fardo disfarçado de privilégio.

A sociedade contemporânea, marcada pelo consumo desenfreado e pelo ideal de individualidade, nos presenteia com um paradoxo: quanto mais livre se torna nossa capacidade de escolher, mais angustiados nos sentimos. Jean-Paul Sartre afirmou que "estamos condenados à liberdade", sugerindo que cada decisão que tomamos nos define e, portanto, carrega um peso existencial. No entanto, Sartre não viveu o suficiente para enfrentar a tirania das prateleiras de supermercado ou o catálogo infinito das plataformas de streaming. Hoje, a condenação à liberdade se sofisticou e assumiu a forma de infindáveis possibilidades de consumo.

A promessa da modernidade era clara: a multiplicação das opções nos tornaria mais felizes. Mas pesquisas psicológicas, como as conduzidas por Barry Schwartz, autor de O Paradoxo da Escolha, mostram que a abundância de alternativas gera frustração. Escolher um produto implica abrir mão de todos os outros, e essa renúncia nos atormenta. O indivíduo moderno, atolado em possibilidades, se torna um eterno insatisfeito.

N. Sri Ram, em suas reflexões teosóficas, apontava que a verdadeira liberdade não está na capacidade de escolher entre uma variedade de opções externas, mas na emancipação interior das compulsões e ilusões que nos aprisionam. A busca pela satisfação através do consumo é, muitas vezes, uma tentativa de preencher um vazio que nada externo pode saciar.

O sofrimento da liberdade na era do consumo também reflete uma mudança nas dinâmicas de identidade. Se antes as escolhas eram limitadas por tradições e estruturas sociais bem definidas, hoje a identidade é um projeto em constante reformulação. Quem sou eu? O tipo de celular que uso, a roupa que escolho, o que coloco no meu carrinho de compras são pequenas declarações de um "eu" que se constrói através do consumo. Mas esse "eu" nunca está pronto, pois o mercado está sempre oferecendo uma nova versão melhorada daquilo que já temos. Assim, a identidade se torna um produto inacabado, e a angústia, uma mercadoria constante.

O caminho para escapar desse ciclo vicioso talvez esteja na reavaliação do que significa ser livre. Reduzir o excesso de escolhas pode não ser um retrocesso, mas uma maneira de recuperar a serenidade. Buscar a qualidade em vez da quantidade, definir limites próprios para o consumo e encontrar satisfação em experiências em vez de produtos são possíveis soluções para essa inquietação contemporânea.

Assim, talvez a verdadeira liberdade não esteja em ter todas as opções do mundo, mas em saber quando dizer "basta". Quem diria que, no final, um lanche poderia ensinar tanto sobre a existência?


terça-feira, 18 de março de 2025

Absurdo da Informação

O Novo Mito de Sísifo

Vivemos na era do excesso. As notificações se acumulam como ondas quebrando na praia, uma após a outra, sem pausa para contemplação. O celular vibra, a tela brilha, um novo dado, uma nova opinião, uma nova crise, uma nova promessa de verdade. Mas onde tudo isso nos leva? Sentimos que sabemos mais do que nunca e, paradoxalmente, compreendemos cada vez menos.

Albert Camus reinterpretou o mito de Sísifo como uma metáfora para a condição humana diante do absurdo: empurramos a rocha montanha acima apenas para vê-la rolar de volta ao vale, em um ciclo interminável. Hoje, a rocha foi substituída pela informação. Nos esforçamos para consumi-la, catalogá-la, absorvê-la – mas, assim que pensamos tê-la compreendido, novas camadas de dados se sobrepõem, desfazendo qualquer tentativa de sentido consolidado.

A internet, com sua aparente promessa de democratização do conhecimento, acabou por nos afogar em um mar de hiperconectividade e desorientação. O problema não é apenas o volume, mas a efemeridade e fragmentação da informação. Não há tempo para a reflexão profunda; tudo deve ser consumido, compartilhado, esquecido e substituído em um ciclo vertiginoso.

O mito contemporâneo de Sísifo não se resume ao trabalho sem sentido, mas à busca de sentido em meio ao caos informacional. Em um mundo onde qualquer pessoa pode produzir e disseminar conhecimento instantaneamente, o que diferencia o verdadeiro saber do mero ruído?

Gilles Deleuze já apontava para a crise do pensamento em uma sociedade movida por estímulos rápidos e respostas prontas. O problema não está apenas na proliferação da informação, mas na forma como ela é consumida – passivamente, sem espaço para a construção de significados mais profundos. A reflexão dá lugar à reação imediata. A sabedoria é sufocada pela urgência.

E, no entanto, Sísifo continua subindo a montanha. Talvez o ato de questionar, de discernir, de resistir ao fluxo incessante seja a nossa única forma de revolta contra esse absurdo informacional. Como Camus sugeria, a liberdade está na consciência do absurdo e na escolha de continuar, apesar dele. Assim, ao invés de sermos apenas consumidores de informação, devemos ser seus alquimistas – extraindo da enxurrada digital o ouro da compreensão verdadeira.

O que nos resta é decidir: empurramos a rocha cegamente ou escolhemos encontrar, no próprio fardo, um caminho para a lucidez?


segunda-feira, 17 de março de 2025

Proposições de Valor

Entre o Preço e o Sentido

Outro dia, enquanto tomava um café numa livraria, ouvi uma conversa curiosa entre dois amigos. Um dizia que um produto "valia muito", ao que o outro respondia que “o valor era relativo”. Fiquei pensando: falamos tanto em valor, mas o que ele realmente significa? Para uma empresa, pode ser a proposta de valor que diferencia um serviço dos concorrentes. Para um colecionador, pode ser o significado sentimental de um objeto. Para um filósofo, bem… é aí que as coisas se complicam.

O Valor Como Construção

A primeira pergunta que surge é: o valor é algo objetivo ou subjetivo? Desde Platão, há quem defenda que certas ideias e valores são eternos e imutáveis, como a Justiça ou o Bem. Já Nietzsche desmontou essa visão ao dizer que valores são criações humanas, reflexos de forças culturais e históricas. Se for assim, então o que vale para um tempo pode não valer para outro. O ouro já foi a medida do valor absoluto, mas hoje, para muitos, os dados digitais são mais valiosos.

Pense em um ingresso para um show. Ele tem um preço fixo, mas seu valor muda se for o último ingresso disponível ou se for para a despedida da sua banda favorita. Da mesma forma, a amizade tem valor, mas não pode ser comprada. Isso significa que o valor não está na coisa, mas na relação que estabelecemos com ela.

Proposição de Valor: Uma Ilusão?

Nos negócios, o conceito de proposição de valor é essencial. Empresas criam narrativas sobre por que seus produtos são especiais. Mas isso não reflete apenas uma necessidade real, e sim uma construção simbólica. Se compramos um café artesanal por R$ 20, não estamos pagando apenas pelo grão moído, mas pelo status, pela experiência, pelo cheiro da cafeteria. Então, até que ponto o valor é real ou apenas uma ilusão bem contada?

Bauman dizia que vivemos tempos líquidos, onde valores mudam rapidamente. Se isso é verdade, as proposições de valor são promessas instáveis: hoje uma marca pode ser um símbolo de status, amanhã pode ser esquecida. Valores morais seguem a mesma lógica: o que era visto como virtude há cem anos pode ser considerado arcaico hoje.

Valer é Existir?

Se o valor é sempre uma relação, podemos dizer que existir é valer algo para alguém. Um objeto só tem valor se houver um olhar que o reconheça. Um ideal só tem força se houver quem acredite nele. Nietzsche dizia que o homem é um ser que avalia—e talvez seja essa nossa maldição e nosso privilégio. Criamos valores porque precisamos dar sentido ao mundo. Mas será que conseguimos viver sem confundi-los com verdades absolutas?

Da próxima vez que alguém disser que algo "vale muito", pergunte: para quem? e por quê?. Talvez o verdadeiro valor esteja justamente na pergunta.