Amar a si mesmo não é vaidade, nem luxo, nem desculpa para se isolar do mundo. É uma necessidade silenciosa — daquelas que, se ignoradas, criam vazios difíceis de nomear. No ruído das exigências externas, o amor-próprio muitas vezes se perde, confundido com orgulho ou fraqueza, quando na verdade é solo fértil onde tudo pode florescer: o afeto, a presença, a responsabilidade e até o amor pelos outros.
Nietzsche,
em A Gaia Ciência, dizia que é preciso um caos interior para dar à luz
uma estrela dançante. E talvez esse caos seja o lugar onde o amor-próprio
começa a nascer: não como um brilho imediato, mas como um gesto de cuidado nas
noites difíceis, como um “sim” dito a si mesmo, mesmo quando o mundo inteiro
espera um “não”.
Mas
o amor-próprio não é só psicológico. Ele tem raízes espirituais. Diversas
tradições místicas, como o budismo, a cabala e os escritos cristãos dos padres
do deserto, apontam para o autoacolhimento como um caminho de união com o
sagrado. Afinal, se o divino habita em nós, rejeitar-se é, de certa forma,
rejeitar aquilo que nos foi dado como única casa de experiência.
O
amor-próprio espiritual não é narcisismo: é reverência. É olhar para si como
quem cuida de um templo — com delicadeza, paciência, escuta. É enxergar que
nossa humanidade, com suas dores e tropeços, é também uma possibilidade de
transcendência. Quem busca o divino fora de si, sem antes fazer as pazes com o
que é por dentro, talvez corra o risco de encontrar apenas reflexos quebrados
do que procura.
O
filósofo brasileiro Vilém Flusser afirmava que o ser humano é um projeto
de ser. Isso nos coloca em constante construção. Amar-se, então, é aceitar que
estamos sempre nos fazendo — e que não há contradição entre buscar ser melhor e
acolher quem se é hoje. Pelo contrário: é dessa aceitação que nasce o impulso
para crescer, mudar e libertar-se dos papéis que nos limitaram.
Nos
pequenos gestos do cotidiano — levantar da cama mesmo sem vontade, comer algo
nutritivo, dar-se um tempo de silêncio, parar de se cobrar por tudo — o
amor-próprio se manifesta. Não precisa ser grandioso. Precisa apenas ser
constante. Ele aparece quando dizemos “basta” ao que nos machuca, quando não
nos deixamos silenciar, quando aprendemos a parar de pedir desculpas por
existir como somos.
Há
também um aspecto coletivo. Uma pessoa que se ama de maneira profunda e sincera
não se torna indiferente: torna-se disponível. Ela não precisa dos outros para
preencher lacunas, e por isso pode realmente enxergá-los. É o amor que, por se
enraizar em si, se espalha com mais liberdade, sem peso, sem invasão.
Amar
a si mesmo é, no fim das contas, dar-se um lugar no mundo. Não o melhor lugar,
não o lugar perfeito — mas um lugar verdadeiro. Onde se pode respirar, crescer
e, quem sabe, estender a mão com mais leveza. Amar-se é a primeira fidelidade,
e talvez, a mais difícil. Mas é nela que todas as outras começam.